domingo, 3 de agosto de 2008

Idade Média em fragmentos 1

A Paisagem

O homem das duas idades feudais, mais do que nós, estava próximo de uma natureza que, por sua vez, era muito menos ordenada e suave. A paisagem rural, onde os matos ocupavam espaços tão importantes, apresentava-se de um modo menos sensível a marca humana. Os animais ferozes, que apenas povoam os nossos contos para as crianças, os ursos, os lobos, especialmente, vagueavam por todos os lugares desertos e por vezes até nos próprios campos cultivados. Além de ser um desporto, a caça era um meio de defesa indispensável e fornecia à alimentação um contributo quase igualmente necessáio. (...) As noites, mal iluminadas, eram mais escuras, o frio, mesmo nas salas dos castelos, mais rigoroso. Numa palavra, havia por detrás de toda a vida social um fundo de primitivismo, de submissão aos elementos indisciplináveis, de contrastes físicos que não podiam ser atenuados.

A morte

A mortalidade infantil, incontestavelmente muito forte na Europa feudal, não deixava de embotar um pouco os sentimentos relativamente a lutos que eram quase normais. Quanto à vida dos adultos, mesmo independentemente dos acidentes de guerra, era em média relativamente curta. (...) a velhice parecia começar muito cedo, desde a idade madura. Aquele mundo que (...) se julgava muito velho, era de fato dirigido por homens jovens.

Entre tantas mortes prematuras, muitas eram devidas às grandes epidemias que freqüentemente se abatiam sobre uma humanidade mal apetrechada para as combater; entre os pobres, além do mais, eram provocadas pela fome. Juntamente com as violências diárias, estas catástrofes davam á existência como que um sabor de precariedade perpétua. (pág 95)

O tempo.


Dispendiosos e pouco cômodos pelo seu tamanho, os relógios de água existiam apenas em pequeno número de exemplares. As ampulhetas perece terem sido pouco usadas correntemente. A imperfeição dos relógios de sol, especialmente sob céu nublado era flagrante(...) Contando geralmente, como na Antiguidade, doze horas de dia e dose horas de noite, fosse qual fosse a estação, as pessoas mais instruídas habituavam-se a ver cada uma dessas frações, consideradas uma por uma, crescer e diminuir constantemente, conforme a revolução anual do sol.

Os números

(...) não era apenas sobre a noção da duração [do tempo), era sobre o domínio do número, no seu todo, que pesavam estas brumas. (...) A época teve, sobretudo a partir do século XI, os seus matemáticos que corajosamente tateavam, na esteira dos Gregos e dos Árabes; os arquitetos e os escultores sabiam praticar uma geometria bastante simples. Mas, entre os cálculos que chegam até nós – e isto até o fim da Idade Média – não há nenhum onde não se encontrem espantosos erros. As incomodidades da numeração romana, engenhosamente corrigidas, aliás, pelo emprego do ábaco, não chegam para explicar estes erros. A verdade é que o gosto da exatidão, com o seu esteio mais firme, o respeito pelo número, permanecia profundamente alheio aos espíritos, mesmo aos dos chefes.

A mentalidade religiosa

Povo de crentes, diz-se facilmente, para caracterizar a atitude religiosa da Europa feudal. Nada será mais justo, se isso significar que toda a concepção do mundo da qual estivesse excluído o sobrenatural era profundamente impenetrável para os espíritos daquele tempo(...) É-nos mesmo permitido dizer que nunca a Fé mereceu tanto esse nome.

PS: Os trechos acima foram retirados do livro A SOCIEDADE FEUDAL, de March Bloch. Você pode encontrar os textos nas páginas 94, 95,96,97 e 104.

Nenhum comentário: