O partido  comunista chinês é a mais formidável
 máquina  de cooptação social já criada: mudou 
a China para que  tudo continuasse como era
 A  simetria que satisfaz
A  simetria que satisfaz
Uma cena da abertura  da Olimpíada: os chineses alinham-se disciplinados na marcha para a liberdade  – de produção e consumo
Jade  Palace Hotel. É onde a equipe de VEJA está hospedada em Pequim.  No cardápio dos estabelecimentos credenciados pelo comitê olímpico,  foi apresentado como um hotel do nível dos melhores ocidentais e bem localizado.  É longe de tudo, estamos praticamente isolados em uma franja da cidade.  Os funcionários são amadores – todos têm o crachá  de "trainee" e trabalham por um prato de macarrão. Ninguém  fala inglês, ninguém sabe colocar uma mesa, muitos chegaram do interior  na semana passada. Pedir um sanduíche de queijo é um sacrifício.  Não sabem o que é sanduíche, não sabem o que é  queijo, não sabem o que é um hóspede. Os trainees foram encarregados  de vigiar cada movimento nosso. Quando não estamos com o crachá  olímpico, exigem que apresentemos o cartão magnético do hotel  para nos deixar entrar no elevador. A comida é de campo de reeducação.  Os preços são extorsivos: um café custa o equivalente a 14  reais. O único serviço satisfatório é o de tinturaria.  Não exige comunicação verbal e a tradição chinesa  é boa nessa área do conhecimento humano. O Jade Palace Hotel pertence  ao governo – ou seja, ao partido comunista. Não tem sócios  capitalistas, locais ou estrangeiros. Desde que soube disso, este repórter  resolveu dar ordens como o presidente Hu Jintao. "Não temos banana,  senhor." "Então, ligue para o partido e ache uma banana."  A banana aparece. "É impossível achar um táxi, senhor."  "Então, ligue para o partido, quero um táxi em cinco minutos."  O táxi aparece. Dar ordens é a única maneira de fazer funcionar  uma parte dos chineses. A constatação empírica foi confirmada  por estrangeiros que trabalham em Pequim. Sem dar ordens, concordamos todos, a  vida fica impossível.
Mais do  que uma má experiência pessoal, o Jade Palace Hotel é uma  má experiência política. Estamos diante do comunismo em estado  puro, a maior empulhação da história. Vende-se como o paraíso,  mas as tintas são infernais. Nesta China capitalista, que abriu uma estrada  de dezesseis pistas para o Ocidente, o dado tão curioso quanto inquietante  é que o comunismo sobrevive forte em vários aspectos, para além  da marca de fantasia do partido. É espantoso que a internet, hoje ao alcance  de 250 milhões de chineses, esteja sob controle da censura estatal, mas  o que dizer de revistas estrangeiras que chegam às bancas (pouquíssimas)  ou aos eventuais assinantes (menos ainda) com páginas coladas? Se o assunto  da reportagem for China, os censores grudam o que julgam ser ameaçador  ao regime. Da mesma forma que os trainees do Jade Palace Hotel, eles não  sabem inglês ou qualquer outra língua estrangeira. Então,  eliminam o problema da liberdade de imprensa passando cola em todos os textos  aparentemente sensíveis. Basta lerem a palavra China e lá vai cola.  Ao leitor, resta o caminho do fogão. Esquenta-se uma panela d’água  e, quando o vapor sobe, coloca-se a revista sobre ele, para tentar desgrudar as  páginas. Leves princípios de incêndio vêm sendo causados  pela censura.
Livros de bons autores  à venda: quase não há. De maus autores: situação  idêntica. Importação de livros: demorada e com o risco de  cola nas páginas. Cinema: minguadas setenta salas para os 17,4 milhões  de habitantes de Pequim. A exibição de filmes estrangeiros no país  é restrita a vinte títulos novos por ano. Assim como as produções  chinesas, eles não podem ter cenas de sexo, mensagens políticas  ou questionamentos de ordem moral. É o mundo encantado da Disney comunista.  Televisão: apenas forasteiros têm acesso a canais a cabo. Chineses,  só se ficarem hospedados num hotel cinco-estrelas. As emissoras abertas,  estatais, exibem majoritariamente novelas ambientadas quinhentos anos atrás,  protagonizadas por senhores da guerra de barbas e sobrancelhas longas, com os  cabelos, também compridos, cortados ao estilo Chitãozinho e Xororó  e enfeitados por coques fashion. As novelas seriam suportáveis sob efeito  de uísque. Você poderia fingir mais facilmente que assistia a Kill  Bill 278, 279, 425... Como no Jade Palace Hotel não há uísque  de verdade, o dia começa cedo e acaba tarde na Olimpíada e o honorável  estabelecimento só tem CNN e um canal da HBO, o melhor é apagar  a TV.
Estrangeiros e chineses mais exigentes  (pouquíssimos) perdem um quinhão do seu tempo driblando as proibições.  "Se você tiver o software certo, dá para acessar os sites de  notícia europeus e americanos", disse a VEJA uma mocinha de Xangai.  "É a coisa mais fácil do mundo", confirmou outro jovem  de Pequim, mais interessado em pornografia. Comprar filmes piratas na China, a  única maneira de assistir
A  abertura econômica é uma realização a festejar. Graças  a ela, os chineses comuns entrevistados por VEJA podem dizer, sem incorrer na  mentira, que vivem melhor do que seus pais e avós. Mas, do ponto de vista  político, foi o golpe do século. Deveriam trocar o retrato de Mao  Tsé-tung, na Praça da Paz Celestial, pelo de seu artífice,  Deng Xiaoping. Abrir a economia permitiu a sobrevivência no poder do Partido  Comunista Chinês. No fim da década de 70, sob a égide do reabilitado  Deng, submerso à força durante a Revolução Cultural,  alguns dirigentes começaram a pregar publicamente uma certa flexibilização  do regime, e resoluções nesse sentido foram adotadas. Para que ela  fosse adiante, no entanto, era preciso exorcizar a figura do timoneiro sanguinário,  morto em 1976, bem como parte de sua herança maldita, sem que o ritual  de execração implicasse a autodestruição do PC. Em  1982, as condições internas (comunista adora falar em "condições  internas") permitiram que, durante um congresso do partido, Mao sofresse  sua crítica definitiva. A Revolução Cultural, que jogara  a China na treva absoluta durante os anos 60, foi declarada um desastre, um tumulto  interno. Mao perdeu a condição quase divina, mas manteve a classificação  de "grande homem".
O processo  de abertura, mesmo com o empuxo a favor, só ganharia velocidade e corpo  em 1989, depois do massacre de 200 estudantes entre milhares de revoltosos reunidos  na Praça da Paz Celestial. Os mártires e mais o milhar de colegas  presos queriam um tantinho de oxigênio, nada além disso, mas haviam  ido longe demais. A tragédia, que marcou indelevelmente a história  chinesa, embora não conste da versão oficial, acendeu o alarme vermelho  no partido. Temerosa do mesmo destino dos amigos soviéticos, então  próximos do fim, a cúpula deliberou mudar logo e rápido,  para que tudo continuasse como era. "Um país, dois sistemas",  na brilhante – e marota – definição de Deng. O golpe do  século. "Eu estava fora da China quando ocorreu o episódio  na Praça da Paz Celestial. Aquilo me transtornou. Saí andando sem  destino. Dias mais tarde, recebi uma circular secreta do partido. Nela, os dirigentes  reconheciam a demora para abrir a economia. Se houvessem tomado as devidas providências,  afirmavam no documento, a revolta e a morte dos estudantes teriam sido evitadas",  disse um integrante do PC (vamos chamá-lo de Zhou), enquanto almoçava  com a reportagem de VEJA em um restaurante da região de Sanlitu, em Pequim,  onde os turistas têm à sua escolha todos os tipos de diversão  – e risco – do capitalismo outrora considerado decadente.
Quem  olha de fora tende a acreditar que, tal como ao dia se segue a noite, ao desentrave  econômico sucederá a liberdade política. Não é  bem assim. A primeira verdade em oposição é que, como a China  jamais foi pluralista, inexistem anseios democráticos como no Ocidente.  Esses são frutos da filosofia iluminista européia e dos ideais da  revolução americana, concepções estranhas e alienígenas  do ponto de vista chinês. O marxismo, igualmente alienígena, vicejou  na China por ter-se casado à perfeição com uma cultura alicerçada  sobre o absolutismo. A segunda verdade é que, apesar de todo o controle  estatal, os chineses nunca foram tão livres como hoje – e enxergam  no partido comunista pós-1989 uma garantia dessa liberdade, em vez de um  obstáculo a ela. Liberdade, aqui, não é de palanque, voto  ou informação. É de compra, venda e consumo. O golpe do século,  lembra-se?
Ao contrário do soviético,  que nasceu, cresceu e morreu como um organismo estranho à sociedade,  o partido chinês foi-se entranhando na estrutura do país. O mais  surpreendente é que a dinâmica se acelerou nos últimos anos.  O PC chinês é hoje um clube com 78 milhões de membros –  ou 6% da população total. Há quase tantos comunistas de carteirinha  na China quanto alemães na Alemanha. A idade média é 35 anos.  As células e os comitês, que movimentam o dia-a-dia do partido, somam  3 milhões de militantes. A cada ano, o PC incorpora 1,8 milhão de  novatos. O financiamento se dá por meio de contribuições.  Os integrantes da área rural, mais pobres, pagam 1 iuane por mês,  o equivalente a 23 centavos de real. Os assalariados de menor renda desembolsam  1% do salário mensal; os de maior renda, e também profissionais  liberais e empresários, de 4% a 5% do que ganham por mês. Os dados  foram fornecidos pelo secretário-geral de comunicação do  partido, Lu Jianping, em entrevista a VEJA.
A  revista chegou até ele por intermédio de Wang Jianchao, uma simpática  e prestativa jornalista da Associação de Jornalistas de Toda-China.  O hífen está presente na designação das associações  profissionais chinesas. Indica que não há divisões sindicais  ou algo do gênero – e que elas não são toleradas. Os  jornais e revistas todo-chineses são abundantes. Existem 10 000 publicações  periódicas, cuja função é, no máximo, contar  uma parte da verdade, jamais a verdade inteira. No hall do prédio da Associação  de Jornalistas de Toda-China, duas fotos distraem os visitantes no chá  de sofá: a de Mao lendo o Diário do Povo, órgão  oficial do PC, e outra de Chou En-Lai, no jardim de sua casa, rodeado de jornalistas  ocidentais. Deve datar dos anos 50 e dá vontade de ser um dos seus figurantes.  Companheiro de primeira hora de Mao, Chou era de família rica e tinha formação  européia. Viveu em Paris, exilado, no início da década de  20. A foto revela aquele permanente estar à vontade dos bem-nascidos. Devia  ser um ótimo papo.
Fomos  de carro preto, com motorista, ao encontro do secretário-geral. No trajeto,  a senhora Wang explicou que o departamento havia mudado de nome recentemente –  deixara de ser "de propaganda" para se tornar "de comunicação".  "Alguma mudança nas diretivas?" "Não." Às  vezes os jornalistas chineses dizem toda a verdade. Lu Jianping não é  um Chou En-Lai, mas tem lá sua cota de poder, é simpático  e até relaxado para os padrões locais (só contraiu o rosto  diante da lente do fotógrafo). Tem 54 anos, não pinta o cabelo e  não usa gel, ao contrário da maioria dos dirigentes do partido.  Estava sem terno, porque o presidente Hu Jintao, secretário-geral do PC,  recomendou que, no verão, o traje formal fosse abolido. Economiza-se no  ar-condicionado. Como em toda sala oficial chinesa para recepção  de visitantes, a de Lu Jianping tem poltronas arrumadas em simetria, voltadas  para um centro vazio: a do anfitrião é separada por uma mesinha  da do visitante principal. Em cima do móvel com toalha de renda e vaso  de flores, uma garrafa de água e uma chávena de chá para  cada um. O número de poltronas depende do tipo de reunião. Quanto  maior a quantidade, mais importante é o dignitário. A simetria expressa  formalidade – e não deixa de ser intimidatória. Seis poltronas  foi lisonjeiro. Quando VEJA o entrevistou, os jornalistas estrangeiros, recém-chegados  ao centro de imprensa olímpico, reclamavam que a China não havia  cumprido o compromisso de deixar o acesso à internet inteiramente livre.  Perguntado a respeito, Lu Jianping respondeu que ocorrera um problema técnico  e que o país seguiria à risca o acordo com o Comitê Olímpico  Internacional. "Por que os ocidentais acham que controlamos tudo?",  completou. "Essa conversa não vai longe", pensou este repórter.  Mas foi.
Virar comunista no Brasil é  fácil. Basta ter as idéias erradas, preencher uma ficha de filiação,  colocar um broche na camiseta e sair por aí falando e fazendo bobagens.  Na China, é necessário mais do que idéias erradas (atualmente,  são exigíveis até algumas corretas) e você assina a  ficha depois de uma seleção rígida. Não é um  clube que aceita qualquer um, coloque-se dessa maneira. Lu Jianping animou-se  a contar a história do seu ingresso no partido, segundo ele muito ilustrativa.  Em 1974, aos 20 anos, estudante universitário, começou a trabalhar  na secretaria de educação de Xinjiang, região autônoma  no oeste do país, com significativa população de fé  islâmica (e palco de atentados perpetrados por separatistas, no início  de agosto). Foi nessa ocasião que Lu Jianping se animou a entrar no PC.  Para tanto, teve de escrever uma carta em que expunha os motivos da decisão.  Carta aprovada em uma reunião da célula correspondente à  secretaria, ele passou a ser observado por dois sindicantes que davam expediente  na mesma repartição. Verificada sua, digamos, vocação  para comunista, foi procurado por dois homens para uma conversa. Nela, fizeram-lhe  três perguntas: a) O partido é para servir ao povo. Você quer  servir ao povo? b) Você está de acordo com os princípios e  o programa do partido? c) Você está disposto a trabalhar dentro de  um sistema de democracia centralizada? Sim, sim e sim para as questões,  a célula reuniu-se outra vez. Acharam que Lu Jianping levava jeito  e ele foi submetido a novas rodadas de conversas. Ouviram as opiniões a  seu respeito de pessoas do seu convívio profissional, social e familiar.  Como o horizonte se manteve favorável, Lu Jianping viu-se convidado a participar  de uma reunião da célula, em que fez uma explanação  sobre o seu desejo de filiar-se ao partido. Em seguida, a célula votou.  Seu nome foi aprovado da única forma possível: por unanimidade.  Enviaram, então, um relatório ao comitê local do partido.  Chancelado pela instância superior, declararam-no aspirante e lhe designaram  um tutor. Um ano depois, ainda na condição de aspirante, ele fez  um juramento de lealdade diante da bandeira do PC. Inúmeras reuniões  e votações correram até que, em 1981, finalmente, ele se  tornou membro pleno. "Eu me esforcei durante sete anos", disse Lu Jianping,  ainda com o orgulho de vestibulando aprovado.
Nem  todos os aspirantes demoram tanto tempo. A protelação do ingresso  de Lu Jianping pode ser creditada a um período de enormes convulsões  – e desconfianças – entre os quadros partidários. Mas  o processo de seleção, para 99% das pessoas, é basicamente  o mesmo. VEJA entrevistou uma jovem de 26 anos, Lillian Chen, moradora de Pequim.  Formada em jornalismo, fluente em inglês, produtora de documentários  televisivos – faz trabalhos para a BBC –, ela foi convidada a entrar  no PC quando cursava o equivalente ao colegial brasileiro, por causa de suas notas  excelentes. Gostou da idéia e cumpriu a trajetória de Lu Jianping,  só que apenas em um ano. Quando completou 18, assinou a ficha de filiação.  Além de viver em outros tempos, Lillian Chen recebeu um convite e na adolescência.  Combinados, os dois fatores aceleram o processo. "Não, ser do partido  não me proporciona regalias diretas. Talvez no passado fosse assim",  afirmou. "O seu ingresso, então, foi por motivos ideológicos?",  perguntou VEJA. Lillian Chen abriu um sorriso: "Não falo sobre política.  Aliás, nem em casa. As duas amigas com quem divido apartamento também  são do partido, mas nós só conversamos sobre roupas, acessórios  que estão na moda, essas coisas". O nosso terceiro comunista, Zhou,  enquadra-se no 1% que não enfrenta processo de seleção –  pelo menos, não o usual. Abriram-lhe as portas do partido graças  aos serviços prestados à China no exterior. Quais serviços  foram esses, ele não revela. Só deixou escapar que, no Brasil, se  surpreendeu ao encontrar no estado do Acre um sujeito que mantinha na estante  os livros de Mao e pregava a revolução armada contra os exploradores  capitalistas. "Nem nós acreditávamos mais nesse tipo de coisa",  riu-se Zhou. Foi-lhe explicado que a América Latina era "o cemitério  de idéias". Ele aprovou a expressão.
O  partido comunista chinês é visível e invisível no cotidiano.  Você certamente sabe que seu chefe pertence a ele, mas talvez fique surpreso  ao ser informado de que seu melhor amigo, sentado ao lado, também é  do PC. Integrá-lo pode não lhe dar benefícios diretos, como  diz a jovem Lillian Chen, mas pode resultar num bom guanxi – o nome que se  dá à teia de relações pessoais e profissionais, sem  a qual ninguém toca negócios ou é promovido na China. Por  incrível que pareça, não é a única agremiação  política do país. Há outras nove, todas aliadas ao PC, logicamente.  Existe inclusive uma versão do Kuomintang, o partido nacionalista defenestrado  do poder pelos comunistas, em 1949. Chama-se Comitê Revolucionário  do Kuomintang. Quando a rebelde Taiwan for anexada, não é impossível  que seus atuais líderes passem a integrar essa agremiação  fantoche.
Como há otimistas em  qualquer situação, há quem entreveja a possibilidade de a  China vir a adotar um regime próximo da democracia real. Eles enxergam  nas eleições para representantes municipais, que começaram  em meados da década de 80, o germe de um sistema de escolha nacional mais  abrangente. Embora poucas cidades constem desse espectro, citam, em seu favor,  o fato de haver votação popular nas 700 000 aldeias do interior,  onde vivem 700 milhões de pessoas. O americano John L. Thornton, professor  da Escola de Economia e Administração da Universidade Tsinghua,  em Pequim, detecta avanços na mentalidade dos líderes chineses.  Na visão de Thornton, se, em 2012, o substituto de Hu Jintao na secretaria-geral  do partido for eleito por voto no Comitê Central, e não por aclamação  dirigida, isso sinalizará que mudanças positivas poderão  ocorrer no regime como um todo. "O partido, internamente, está tentando  adaptar-se à nova dinâmica social", corrobora Lu Jianping. Mas  ele ressalva: "O sistema chinês não devorará o ocidental,  nem o ocidental devorará o chinês".
O  fato incontornável e imune a otimismos é que o partido comunista  chinês é a mais formidável máquina de cooptação  social já criada na história. Concentra, com raras exceções,  a elite intelectual, técnica, empresarial e financeira do país.  Em uma China interessada em fechar bons negócios, entrar para o PC é  o primeiro negócio a ser feito. Garante guanxi para ganhar dinheiro e blindagem  judiciária, pois os juízes e promotores são indicados pelo  partido. Como na União Soviética da era Leonid Brejnev, se um comunista  de carteirinha for pego com a boca na botija, mas seu caso for considerado "delicado",  ninguém o condenará. O PC transformou-se numa espécie de  centrão, onde sempre cabe mais um. Candidatos de listas independentes a  cargos locais invariavelmente se filiam à agremiação depois  de eleitos. Por que mudar se está ótimo para todo mundo que conta  e o povão jamais viveu tão bem? A coisa só não é  boa para os hóspedes do Jade Palace Hotel. 
 a cenas de sexo, mensagens políticas ou  questionamentos de ordem moral, não representa uma dificuldade. Ligações  clandestinas de emissoras a cabo já são um clássico. Contrabando  de livros do exterior, idem. Não é que o governo não veja.  Ele simplesmente fecha os olhos, porque sabe ser peraltice de uma infimíssima  minoria. A maioria – com todo o peso que isso significa num país de  1,3 bilhão de habitantes – está ocupada em seguir o modelo  do cidadão da Nova China: não reclame, não discuta, confie  nos seus líderes, trabalhe duro em prol da nação e você  também progredirá materialmente.
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