sábado, 26 de maio de 2012





A origem da Guerra de Canudos é obscura, e Os sertões bem que se esforça por elucidá-la. Sabe-se que Antônio Conselheiro peregrinou durante trinta anos pelos sertões do Nordeste, cumprindo voto de penitência que consistia em construir ou reconstruir igrejas, cemitérios e açudes, enquanto fazia pregações e proferia sermões (os conselhos). Essa mistura de fé com boas obras provocou alguns conflitos com a polícia e a Igreja, pois Antônio Conselheiro, que era católico e beato mas não tinha sido ordenado sacerdote, obtinha ou não a tolerância dos vigários locais, conforme o caso. Sabe-se também que justamente por não ser padre, ele pregava somente no adro das igrejas e não no altar, e que se abstinha de administrar os sacramentos, como o casamento, o batismo, etc. Peregrinava acompanhado por um séquito, que o acolitava nas obras e nas orações, rezando junto com ele.


Ora, o advento da república acarreta alterações que perturbam o ânimo dos peregrinos. De um lado, são decretados novos impostos, que gravam a população pobre do sertão. De outro, certas medidas laicas, mas afetando princípios religiosos vincadamente tradicionais, são postas em ação. É o caso da separação entre Igreja e Estado, a liberdade de culto e a instituição do casamento civil pela Assembleia Constituinte de 1890. Especialmente esta, que contradizia frontalmente um sacramento católico.

Após algumas escaramuças com as autoridades das vilas e arraiais do interior, os peregrinos passaram a evitar as aglomerações urbanas e a afundar-se cada vez mais no deserto, para votar-se à vida contemplativa. Acabam por arranchar, por volta do ano de 1893, na tapera de uma fazenda abandonada no fundo do sertão da Bahia, longe de tudo. As ruínas eram de uma antiga propriedade fundiárias ora abandonada e que pertencera à Casa da Torre, um vasto domínio de criação de gado estabelecido pelo bandeirante Garcia d'Ávila nos primórdios da colônia. Sobre as ruínas, os peregrinos instalam seu acampamento, edificam pouco a pouco seus barracos de pau-a-pique - futura Tróia de taipa, no oxímoro euclidiano -, reconstroem  a pulso, e pedra por pedra, um antigo templo local e começam a erguer um outro muito maior, defronte àquele. ambos nos largo central do povoado, serão batizados como Igreja Velha e Igreja Nova. Estava isbtalado o arraial de Canudos, nome pelo qual já era conhecida a antiga fazenda.

É da construção da Igreja Nova que decorre um primeiro incidente, a multiplicação deles se avolumando até deflagrar uma verdadeira guerra.

Não há madeira no sertão, cuja cobertura vegetal típica é a caatinga, a qual, como vimos, não passa de um mato ralo, de garranchos, gravetos e cactos. Por isso, o povo de Canudos tinha comprado e pago antecipadamente na cidade de Juazeiro um lote de peças necessárias para as obras da Igreja Nova. Não tendo sido entregue à encomenda, apesar de paga, ameaçaram ir buscá-la pessoalmente.

O que fizeram, organizados numa procissao precedida pela bandeira do divino Espírito Santo, cantando hinos religiosos. Mas as autoridades locais tinham convocado, para recebê-los, tropas estaduais, comandadas pelo tenente Pires Ferreira. Emboscadas estas em Uauá, seguiu-se um combate sangrento, em que os canudenses foram dizimados. Ainda assim, sem saber avaliar a quantidade em números e os recursos de que o adversário dispunha, as tropas baterem em retirada. Esse episódio passou à história como a primeira expedição contra Canudos, ou expedição Pires Ferreira (1896)

Enceta-se então a preparação de uma nova ofensiva, sempre com tropas estaduais baianas, agora mais numerosas e mais bem armadas, bom como sob o comando de uma patente mais alta, o major Febrônio de Brito. Em janeiro de 1897 deslancha o ataque, que resulta igualmente em derrota, nos arredores de Canudos. Essa foi a segunda expedição contra Canudos, ou Expedição Febrônio de Brito.

Fonte:  Introdução ao Brasil, vol 1, org Lourenço Dantas da Silva; Walnice Nogueira Galvão, Os sertões de Euclides da Cunha, p. 161 a 163.

Abaixo, um vídeo que ilustra as informações do texto acima.

A Guerra de Canudos, 3





"A quarta expedição põe-se em marcha em junho de 1897 (com Euclides, nomeado adido do ministro da Guerra, seguindo depois com uma das colunas em agosto) e vai assediar o arraial, o qual é cercado para impedir socorro ou reforços. Mas sobretudo para tolher o abastecimento de água, tão preciosa na caatinga seca e penosamente obtida em cacimbas no leito seco do rio Vaza-Barris.

Entrementes, os canudenses, que antes só dispunham de poucas e arcaicas peças de fogo, daquelas de carregar pela boca - arcabuzes, bacamartes e columbrinas - agora dispõem do mais moderno armamento da época, abandonado pela terceira expedição em debandada.

À medida que o assédio constringe o arraial, do qual alguns setores vão sendo ocupados, a resistência inquebrantável dos canudenses começa a desafiar a compreensão e a constituir-se em enigma. Alguns dias antes do final, parlamenta-se uma rendição, negociada por Antônio Beatinho, membro da Guarda pessoal de Antônio Conselheiro. Para consternação dos atacantes, entregam-se cerca de trezentas mulheres, reduzidas pela fome à condição de esqueletos, acompanhadas pelas crianças e por alguns velhos; e a resistência recrudesce, mais forte agora porque desvencilhada de um peso morto. Finalmente, após um bombardeio intenso de vários dias e da utilização pioneira de uma espécie de napalm primitivo - a gasolina espalhada sobre as casas ainda habitadas é incendiada por bastões de dinamites sobre elas lançado - o arraial se calou, sem se render, a 5 de outubro de 1897. Os últimos resistentes, calcinados numa cova no largo das igrejas, não eram mais que quatro, dois quais dois eram homens, um velho e um menino.

(...) O cadáver de Antônio Conselheiro, que morrera dias antes do final, foi exumado. Sua cabeça cortada e levada para a Faculdade de Medicina da Bahia para ser autopsiada, com a intenção de descobrir-se a origem de seus descaminhos..."

Fonte:  Introdução ao Brasil, vol 1, org Lourenço Dantas da Silva; Walnice Nogueira Galvão, Os sertões de Euclides da Cunha, p. 166-167.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A Guerra de Canudos, 2



 "A terceira expedição gaha uma patente superior, tendo por comandante um coronel, que coronel: Moreira César tivera sua reputação firmada durante a campanha contra a Revolução Federalista no sul do país, quando se destacara pelo rigor da repressão que exercia, ganhando então o cognome de"Corta-cabeças" ou "Corta-pescoço". O perigo que Canudos veio a representar, após essas duas derrotas, já é agora considerado de alçada nacional e grave demais para ficar sob a responsabilidade de tropas estaduais. Monta-se uma grande ofensiva, com forças federais vindas de todo o país, armamento moderno incluindo canhões, e uma ampla campanha no sentido de alertar a oponião pública. Os ânimos estão exaltados, a demagogia patriótica espicaçada, e começa-se a insinuar que os incidentes do sertão apontam para uma tentativa de restauração monárquica.

Acompanhada pela atenção de todo o país, a terceira expedição se reúne em Salvador e marcha para Canudos. Chega a atacar o arraial, mas após algumas horas, sofrendo pesadas perdas, inclusive a de seu comandante, bate em retirada, debandando, enquanto para facilitar a fuga joga fora armas e munições - que serão coletadas e entesouradas pelos canudenses - e até peças de farda, como dólmans ou botas.

A celeuma provocada por mais essa derrota é incalculável. Manifestações de rua nas duas principais cidades do país, Rio de Janeiro e São Paulo, acabaram se transformando em motins em que o furor da multidão se desencadeou sobre os alvos mais óbvios, ou seja, os poucos jornais monarquistas sobreviventes: quatro foram empastelados e o dono de um deles foi linchado. Todos clamavam pelo aniquilamento dessa ameaça nacional contra a república."

Fonte:  Introdução ao Brasil, vol 1, org Lourenço Dantas da Silva; Walnice Nogueira Galvão, Os sertões de Euclides da Cunha, p. 165-166.

A Guerra de Canudos 1



Abaixo, um trecho do livro Os Sertões, de Euclides da Cunha que faz uma síntese do vídeo acima.

"Viu a República com maus olhos e pregou, coerente, a rebeldia contra as novas leis. Assumiu desde 1893 uma feição combatente inteiramente nova.

Originou-a fato de pouca monta.

Decretada a autonomia dos municípios, as Câmaras das localidades do interior da Bahia tinham afixado nas tábuas tradicionais, que substituem a imprensa, editais para a cobrança de impostos etc.

Ao surgir esta novidade Antônio Conselheiro estava em Bom Conselho. Irritou-o a imposição; e planeou revide imediato. Reuniu o povo num dia de feira e, entre gritos sediciosos e estrepitar de foguetes, mandou queimar as tábuas numa fogueira, no largo. Levantou a voz sobre o "auto-de-fé", que a fraqueza das autoridades não impedira, e pregou abertamente a insurreição contra as leis.

Avaliou, depois, a gravidade do atentado.

Deixou a vila, tomando pela estrada de Monte Santo, para o norte.

O acontecimento repercutira na capital, de onde partiu numerosa força de polícia para prender o rebelde e dissolver os grupos turbulentos. Estes naquela época não excediam a duzentos homens. A tropa alcançou-os em Maceté, lugar desabrigado e estéril entre Tucano e Cumbe, nas cercanias dás serras do Ovo. As trinta praças, bem armadas, atacaram impetuosamente a turba de penitentes depauperados, certas de os destroçarem à primeira descarga. Deram, porém, de frente, com os jagunços destemerosos. Foram inteiramente desbaratadas, precipitando-se na fuga, de que fora o primeiro a dar o exemplo o próprio comandante.

Esta batalha minúscula teria, infelizmente, mais tarde muitas cópias ampliadas."

Trecho de Os Sertões, de Euclides da Cunha.

sábado, 28 de abril de 2012

O STF diz que a discriminação é constitucional.

ABAIXO, UM EXCELENTE EDITORIAL DO ESTADÃO.

A discriminação racial no Brasil é constitucional, segundo decidiram por unanimidade os ministros do Supremo Tribunal (STF), num julgamento sobre a adoção de cotas para negros e pardos nas universidades públicas. Com base numa notável mistura de argumentos verdadeiros e falsos, eles aprovaram a reserva de vagas para estudantes selecionados com base na cor da pele ou, mais precisamente, na cor ou origem étnica declarada pelo interessado. Mesmo enfeitada com rótulos politicamente corretos e apresentada como “correção de desigualdades sociais”, essa decisão é obviamente discriminatória e converte a raça em critério de ação governamental. Para os juízes, a desigualdade mais importante é a racial, não a econômica, embora eles mal distingam uma da outra.

O ministro Cezar Peluso mencionou as diferenças de oportunidades oferecidas a diferentes grupos de estudantes. Com isso, chamou a atenção para um dos maiores obstáculos à concretização dos ideais de justiça. Todos os juízes, de alguma forma, tocaram nesse ponto ou dele se aproximaram. Estabeleceram, portanto, uma premissa relevante para o debate sobre a formação de uma sociedade justa e compatível com os valores da democracia liberal, mas perderam-se ao formular as conclusões.

O ministro Joaquim Barbosa referiu-se à política de cotas como forma de combater “a discriminação de fato”, “absolutamente enraizada”, segundo ele, na sociedade. Mas como se manifesta a discriminação? Candidatos são reprovados no vestibular por causa da cor? E os barrados em etapas escolares anteriores? Também foram vítimas de racismo?

A ministra Rosa Weber foi além. “A disparidade racial”, disse ela, “é flagrante na sociedade brasileira.” “A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela”, acrescentou. A intrigante referência à cor amarela poderia valer uma discussão, mas o ponto essencial é outro. Só essas cores identificam a pobreza no Brasil? Não há pobres de coloração diferente? Ou a ministra tem dificuldades com a correspondência de conjuntos ou ela considera desimportante a pobreza não-negra, não-mestiça e não-amarela.

Mas seus problemas lógicos são mais amplos. Depois de estabelecer uma correspondência entre cor e pobreza, ela mesma desqualificou a diferença econômica como fator relevante. “Se os negros não chegam à universidade, por óbvio não compartilham com igualdade das mesmas chances dos brancos.” E concluiu: “Não parece razoável reduzir a desigualdade social brasileira ao critério econômico”. A afirmação seria mais digna de consideração se fosse acompanhada de algum argumento. Mas não é. O fator não econômico e estritamente racial nunca foi esclarecido na exposição da ministra nem nos votos de seus colegas.

Nenhum deles mostrou com suficiente clareza como se manifesta a discriminação no acesso à universidade ou, mais geralmente, no acesso à educação. O ministro Celso de Mello citou sua experiência numa escola pública americana sujeita à segregação. Lembrou também a separação racial nos ônibus escolares nos Estados Unidos. Seria um argumento esclarecedor se esse tipo de segregação - especificamente racial - fosse no Brasil tão normal e decisivo quanto o foi nos Estados Unidos.

Talvez haja bons argumentos a favor da discriminação politicamente correta defendida pelos juízes do STF, mas nenhum desses foi apresentado. Brancos pobres também têm dificuldade de acesso à universidade, mas seu problema foi menosprezado.

Se um negro ou pardo com nota insuficiente é considerado capaz de cursar com proveito uma escola superior, a mesma hipótese deveria valer para qualquer outro estudante. Mas não vale. Talvez esse branco pobre também deva pagar pelos “danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados”. Justíssimo?
Como suas excelências poderão ser envolvidas em outras questões de política educacional, talvez devam dar uma espiada nos censos. Os funis mais importantes e socialmente mais danosos não estão na universidade, mas nos níveis fundamental e médio. Países emergentes bem-sucedidos na redução de desigualdades deram atenção prioritária a esse problema. O resto é demagogia.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os Projetos de República

Os dois Projetos de República.¹

Quando em outubro deste ano os eleitores brasileiros forem às urnas estarão celebrando a sétima eleição consecutiva e direta para Presidente da República. Os mais jovens talvez não saibam, mas nos 121 anos de República no Brasil, nosso país passou por duas famigeradas ditaduras: a do Estado Novo (1937-1945), cujo ditador foi Getúlio Vargas; e a do Regime Militar (1964 - 1985). Nesses dois períodos foi retirado dos brasileiros o direito de eleger pelo voto direto o Presidente da República.

Quando em 15 de novembro de 1889 a quartelada comandada pelo marechal Deodoro da Fonseca destronou o imperador D Pedro II e mandou a família imperial para a Europa, o novo regime político que se implantava pela força não teve qualquer apoio no seio do povo, que assistiu - usando a feliz expressão de José Gilherme Mota - bestializado o fim da monarquia.

No mesmo sentido, ensina-nos Boris Fausto que "como episódio, a passagem do Império para a República foi quase um passeio", aludindo certamente ao fato de que não houve comoção popular nem crises de instabilidade causadas pelo Golpe do Exército.

Toda essa calmaria, entretanto, logo logo cederia lugar a um período de instabilidade política, como revoltas militares, crise econômica, revoltas no campo e nas cidades. Se a Proclamação da República em si, não sacudiu o país, os primeiros 15 anos do regime foram marcados por sérias crises políticas e sociais.

Em primeiro lugar é fundamental que a gente lembre que os grupos que defendiam o regime republicano não eram homogêneos nem tinham a mesma visão sobre a organização do novo regime. Grosso modo havia duas visões opostas: a dos militares - e aqui falo do exército - e a dos grandes proprietários, sobretudo dos cafeicultores. Os primeiros defendiam um modelo republicano baseados nas ideias do positivismo e os os outros tinham uma visão mais liberal, próxima da república norte-americana, conhecida como federalismo.

Estou, meus caros, a simplificar as divergências, haja visto que mesmo entre os militares havia importantes diferenças, e entre os cafeicultores também; contudo, numa visão abrangente, as ideias positivistas e federalista, confrontavam-se no debate sobre o modelo de República que deveria ser implantado no Brasil. Este post tem como objetivo tratar desses dois projetos de república.

Os positivistas

Boris Fausto nos ensina que apesar do positivismo estar ligado aos oficiais do exército brasileiro, havia civis, como os republicanos gaúchos, que defendiam o projeto positivista . Por outro lado, os dois primeiros presidentes do Brasil, que foram militares, o Marechal Deodoro e o Marechal Floriano Peixoto não eram exatamente entusiastas do positivismo. O primeiro imaginava que com a República o exército passaria a ter mais prestígio e reconhecimento do que tinha com a Monarquia, assumindo um papel importante nos destinos do país. O segundo, embora não fosse positivista, estava cercado por jovens oficiais da Escola Militar que defendiam com ardor as idéias do positivismo. Esses jovens oficiais concebiam que a missão dos militares era dar um sentido aos rumos do país. A República deveria garantir a ordem e o progresso do Brasil. Eles entendiam como progresso a "modernização da sociedade através da ampliação dos conhecimentos técnicos, do crescimento da indústria, da expansão das comunicações"²

Em que pese as diferenças entre o "grupo" de Deodoro e o "grupo" de Floriano, o fato de pertencerem ao exército lhes dava um sentido de aproximação. De forma geral acreditavam num Poder Executivo forte, numa inevitável ditadura militar e viam o exército como uma instituição incorruptível, defensora por princípio dos interesses nacionais, numa palavra: patriótica. Desconfiavam da ideia liberal de conceder autonomia às províncias, primeiro porque enxergavam nesse fato os interesses particulares dos grandes proprietários e depois porque imaginavam que a autonomia das províncias traria de volta o risco da fragmentação territorial do país.³

Os Grandes Proprietários

O historiador Marco Antônio Vila nos revela que em agosto de 1889 a eleição para a câmara elegeu apenas dois representantes do Partido Republicano. Os demais eram dos partidos que sustentavam a Monarquia: o Conservador e o Liberal. Como, pergunta Vila, em três meses, todo o apoio político que sustentava o imperador se esvaneceu? Uma das explicações, segundo o professor da UFSCar está na ideia de que com a república haveria autonomia das províncias, dando aos grandes proprietários um poder que não conseguiam desfrutar por causa do regime centralizador da monarquia. Isto é, foi sobretudo por conta da possibilidade de conquistarem mais poder nos seus respectivos estados que muitos daqueles que apoiavam o imperador debandaram-se para a causa republicana.

Havia, portanto, entre os defensores da República, dois modelos opostos: o que defendia um governo mais centralizado, e que por isso não via com bons olhos a ideia do federalismo; e aquele que defendia uma importante descentralização política, dando às províncias a autonomia para contrair empréstimos, criar impostos, criar leis, etc.

A luta entre essas duas visões de país vai marcar a história do início da República no Brasil.

1 - Texo publicado originalmente em março de 2010.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

As tensões na África na era do Imperialismo*

Alguns alunos me pediram para que expusesse aqui um breve resumo sobre a Questão de Suez, a Questão Marroquina e a Guerra dos Bôeres. Espero atender às expectativas de vocês.

A QUESTÃO DE SUEZ.



A construção do canal de Suez, na segunda metade do século XIX (1859 -1869), foi uma das grandes realizações de engenharia da época. O canal, construído por uma empresa francesa, tinha como objetivo encurtar as viagens entre o oriente e a Europa, permitindo que as embarcações entrassem pelo mar Vermelho e através do canal passassem para o mar Mediterrâneo; evitando, assim, o longo trajeto que se fazia anteriormente, isto é, atravessando o oceando índico em direção ao atlântico, pelo sul da África, até chegar a Europa.

Houve, desde o princípio, um acordo de que não deveria existir restrição a embarcações de quaisquer países que desejassem passar pelo canal. Contudo, o aumento das tensões diplomáticas entre as potências europeias no final do séculoXIX e início do século XX, obrigou que as potências assinassem compromissos claros para garantir a livre circulação das embarcações. Durante a I Guerra, a Inglaterra que passara a controlar o canal, fechou-o para as nações inimigas.

Desde a inauguração do canal, em 17 de novembro de 1869, o mesmo era controlado pela França e pelo Egito. Contudo, em 1875, o governo inglês comprou do país africano a participação acionária, passando a dividir com a França a administração do canal de Suez. Tal situação gerou uma série de desentendimentos entre as duas potências que só foram solucionados em 1904, quando foi assinado um acordo entre os dois países. Em troca do apoio inglês na conquista do Marrocos, a França abandonaria o Egito, deixando o canal para os ingleses.¹


QUESTÃO MARROQUINA
²

Em 1911, a Alemanha partiu para a ofensiva, colocando fim aos anos de hesitação e discrição política. O envio do navio de guerra Pantera a Agadir, no Marrocos, e a conseqüente ocupação da cidade por tropas alemãs foram planejados como uma garantia do lado alemão frente a futuras negociações entre a França e a Inglaterra.

A Convenção de Madri, em 1880, havia assegurado ao sultanato a independência do país. Apesar disso, o Marrocos continuou a ser pelos anos que se seguiram o pomo da discórdia entre as potências européias, em razão das suas ricas reservas naturais.

Também o Império alemão mantinha intensas relações comerciais com o Marrocos. Para a Alemanha, as desavenças entre as potências coloniais França e Inglaterra, em relação à região, vinham até mesmo a calhar. Berlim apresentava-se, de certa forma, como o terceiro envolvido que tirava proveito da questão, enquanto Londres e Paris defrontavam-se com desconfiança mútua, não apenas por causa da questão marroquina.

Essa situação mudou a partir de 1904, após a assinatura da entente cordiale entre a França e a Inglaterra. Nesse acordo, ficaram esclarecidas várias desavenças entre os dois países com relação a diversos territórios espalhados pelo mundo.

O principal ponto do acordo dizia respeito à divisão do norte da África: o Egito foi posto na esfera de interesses de Londres, e Marrocos, na de Paris. Falava-se na época de uma "penetração pacífica" nessas regiões. A Alemanha, por sua vez, viu suas relações comerciais ameaçadas pelo pacto franco-inglês.

Prova de fogo

A primeira crise do Marrocos chegou ao ápice no ano de 1905, quando o imperador Guilherme 2º decidiu viajar a Tânger, com o objetivo de colocar à prova o acordo entre a França e a Inglaterra. O imperador alemão foi recebido com todas as honrarias e fez uma declaração que aludia claramente ao papel da França: "Espero que, sob o domínio do sultão, um Marrocos livre e soberano abra-se para uma concorrência pacífica entre todas as potências européias".

Enquanto isso, na França, disseminavam-se os protestos de indignação. Em Londres e Paris, cogitou-se até mesmo uma intervenção militar contra a Alemanha. O Império Alemão, no entanto, conseguiu impor a sua exigência de uma conferência internacional que discutisse o assunto.

Com ela, a França deveria sentir-se isolada no cenário político e forçada a abandonar a entente. Entretanto, a conferência realizada em abril de 1906 em Algeciras, no sul da Espanha, acabou por provar o contrário: foi a Alemanha que saiu isolada do conflito. Em caso de uma guerra envolvendo o Marrocos, apenas o Império Austro-húngaro estaria do lado dos alemães.

A entente cordiale saiu fortalecida da conferência. Entre outras resoluções, ficou estabelecido que a vigilância policial dos portos marroquinos ficaria a cargo da França e da Espanha. As relações franco-alemãs continuavam estremecidas.

Em 1911, o conflito agravou-se ainda mais com a ocupação da cidade marroquina Fès por tropas francesas. A cidade, sede da monarquia, tornou-se um foco de agitações e tumultos. A independência do Marrocos, assim como tinha sido sublinhada pela Convenção de Algeciras, mostrava ser apenas uma farsa.

O imperador Guilherme 2º comentou, após a ocupação francesa: "A questão miserável do Marrocos tem que ser encerrada rápida e definitivamente. Não há nada mais a fazer, o país vai tornar-se francês. A solução é, então, abandonar o conflito de cabeça erguida".

A barganha

No Ministério alemão das Relações Exteriores, cogitou-se uma troca: Berlim abdicaria de seus interesses no Marrocos e ganharia, com isso, o Congo francês. Para dar força a essa exigência, o navio de guerra Pantera aportou em Agadir, provocando uma verdadeira crise.

A Europa encontrava-se à beira de uma guerra, em função da escalada na crise do Marrocos. França e Inglaterra, parceiros da entente cordiale, uniam-se cada vez mais. Os dois países estavam dispostos a tudo, menos a ceder à pressão alemã.

No final do conflito, Berlim teve de satisfazer-se com um mínimo de exigências. Uma parte do Congo francês, com a superfície de 263 mil km², foi transferida para o Império Alemão em 4 de novembro de 1911.

Em troca, Berlim teve de abrir mão de parte de Camarões, então sua colônia. Um fiasco para a política alemã. As relações entre a França e a Alemanha continuaram estremecidas e trouxeram principalmente uma conseqüência: um desenrolar contínuo da espiral da política armamentista na Europa.

A GUERRA DOS BÔERES (1899-1902)

Os bôeres ou africâners eram os descendentes de holandeses, nascidos na África, e que lutavam por autonomia política em relação aos ingleses que dominavam o sul do continente africano. Em 1852 e 1853, os bôeres tiveram as suas repúblicas, a do Orange e a do Transvaal, reconhecidas como autônomas em relação ao império britânico que dominava a região mais ao sul da África. (Veja o mapa abaixo)

No entanto, as descobertas de minas de ouro e diamantes nas terras bôeres fez o governo britânico mudar sua política em relação a esses colonos e aos nativos, passando a anexar territórios com o uso da força.

Ciosos de sua autonomia, os bôeres travaram uma guerra com os britânicos entre 1877 e 1881 (I Guerra dos Bôeres) e evitaram, nesse momento, a anexação, mantendo a autonomia de suas repúblicas. Contudo, a pressão inglesa voltou a ficar forte no final do século XIX, ocorrendo um novo conflito entre 1899 e 1902 (II Guerra dos Bôeres), dessa vez com a vitória inglesa que acabou transformando as repúblicas do Orange e do Transvaal em colônias britânicas formando assim a União Sul-africana.³

É fundamental entender que as tensões que envolveram as potências européias no continente africano no final do século XIX e início do século XX evidenciam a disputa por territórios - o que na prática significava acesso a minérios, matéria-prima e outras riquezas indispensáveis às potências, além da reserva de mercado que tais colonias se tornariam para esses países. Também é importante ressaltar que as desconfianças mútuas e as animosidades entre as potências intensificaram-se diante dessas disputas por colônias na África.


Notas:

1 - O trecho foi retirado do livro Viver a História, Cláudio Vicentino, editora scipione, pág 197.

2 - Toda a informação contida no post sobre a Questão Marroquina foi retirada deste site. Decidi utilizá-lo na íntegra porque está muito bem explicado.

3 - A informação sobre a Guerra dos Bôeres teve como base as informações deste site.

* Esse texto foi originalmente publicado nesse blog no dia 09 de fevereiro de 2010