"O objeto próprio da história consiste, antes de tudo, no conhecimento dos relatos verdadeiros, no seu teor real, e em seguida na indagação por quais razões fracassou ou triunfou aquilo que foi dito ou aquilo que foi feito(...) se negligenciarmos os discursos verdadeiros e os que lhe deu origem, substituindo-os por argumentações falaciosas e por extensões retóricas, nada mais fazemos que suprimir o objeto da história." Políbio, História.(século II a C)
quarta-feira, 11 de setembro de 2013
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
Em agosto de 1942, nove meses após o ataque japonês a Pearl Harbor, os americanos enviam os primeiros soldados para lutarem contra o império japonês no pacífico. Abaixo, o primeiro episódio da série The Pacific, da HBO.
06 de junho de 1944. As forças aliadas, comandadas pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha iniciam tomada da Normandia (norte da França). Dá-se início à chamada frente ou front ocidental.
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
Ele não disse África
Demétrio Magnoli
Meio século atrás, à
sombra do Memorial de Lincoln, em Washington, Martin Luther King
pronunciou 1.667 palavras. Nenhuma delas era “África” — ou “africanos”,
ou mesmo “afro-americanos”. Nessa ausência encontra-se a prova da
atualidade do discurso mais célebre do século XX. Deveríamos ouvi-lo
novamente, prestando atenção no contraste entre aquela linguagem e a
utilizada hoje pelos arautos das políticas de raça.
King aludiu à
Proclamação de Emancipação, de Abraham Lincoln, “um grande farol de
esperança para milhões de negros escravos”, mencionou as “algemas da
segregação” e as “correntes da discriminação” que, cem anos depois,
ainda aleijavam “a vida dos negros”, e falou sobre a “solitária ilha de
pobreza, em meio a um vasto oceano de prosperidade material” na qual
viviam os negros.
No discurso de agosto de 1963, os negros eram
definidos por referências situacionais (escravidão, segregação,
pobreza), não por uma essência identitária (raça, etnia, cultura ou
origem).
Americanos, não “afro-americanos” — isso são os negros,
na linguagem de King. Os negros, que experimentam “o exílio em sua
própria terra”, marcharam à “capital de nossa nação” para cobrar uma
promessa de igualdade escrita “pelos arquitetos de nossa república” na
Declaração de Independência e na Constituição.
A luta para
resgatar aquela “nota promissória” ergueria “nossa nação das areias
movediças da injustiça racial para a sólida rocha da fraternidade”. Ela
não deveria “conduzir-nos a desconfiar de todas as pessoas brancas”,
pois “muitos de nossos irmãos brancos (...) compreenderam que o destino
deles está preso ao nosso” e que “a liberdade deles está
inextricavelmente ligada à nossa”.
A linguagem de King não
desafiava apenas as leis de segregação, seu alvo imediato, mas uma
narrativa sobre a origem dos Estados Unidos, seu alvo distante. Tal
narrativa, uma versão da ideia do melting pot, coagulara-se no
fim do século XIX como reação à libertação dos escravos e como chave
lógica para a segregação racial oficial. Ela descrevia os Estados Unidos
como uma nação de colonos brancos rodeada por minorias raciais
(indígenas, asiáticos e negros africanos).
No discurso que
completa 50 anos, King contestava todo esse cortejo de noções
identitárias emanadas do pensamento racial. Não, dizia, a nação é outra
coisa — é aquilo que está escrito nos textos fundadores!
A
contestação de King separava-o de uma longa tradição da política negra
nos Estados Unidos. W. E. B. Du Bois entalhara o mito da raça na fachada
da venerável NAACP, principal organização negra americana. Ele não
acreditava no valor explicativo de “grosseiras diferenças físicas de
cor, cabelos e ossos”, mas invocava “forças sutis” que “dividiram os
seres humanos em raças claramente definidas aos olhos do historiador e
do sociólogo”.
“Nós”, dizia Du Bois, “somos americanos por
nascimento e cidadania” e “em virtude de nossos ideais políticos, nossa
linguagem, nossa religião”. Contudo, acrescentava, “nosso americanismo
não vai além disso” pois, “a partir desse ponto, somos negros, membros
de uma raça histórica que se encontra adormecida desde a aurora da
criação, mas começa a acordar nas florestas escuras de sua pátria
africana”.
Afro-americanos: o termo, cunhado muito depois, na
bigorna do multiculturalismo, foi concebido no início do século XX como
um fruto do pensamento racial. A atualidade do discurso de King
encontra-se precisamente na sua ruptura com a visão de Du Bois, que era
um reflexo da narrativa racista sobre a nação branca.
Du Bois,
revisitado pelo multiculturalismo, não o universalismo de King, é a
fonte das políticas oficiais de raça no Brasil. Um documento de
“orientações curriculares” para a “educação étnico-racial” da Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo, datado de 2008, sintetiza as
diretrizes que, a partir do MEC, disseminam entre os jovens estudantes a
noção de divisão da humanidade em raças. O texto deplora a vasta
diversidade de cores utilizada pelos indivíduos em declarações
censitárias, que contribuiria “para diminuir o potencial político da
população afro-brasileira”.
“A pluralidade de cores no país diz
quem é o povo brasileiro, mas não sua identidade étnico-racial”, segundo
os sábios da Secretaria Municipal de Educação. A solução para a
carência identitária residiria numa especial reinterpretação das
palavras dos declarantes. Operando como “um agente social de
reconhecimento eficaz do outro”, transformando-se “em alguém mais ativo
no processo de identificação”, o recenseador produziria em tabelas e
gráficos a “população afro-brasileira” que não emerge das
autodeclarações.
Em termos diretos, trata-se de manufaturar uma
fraude censitária com a finalidade de gerar as tais “raças claramente
definidas aos olhos do historiador e do sociólogo” de que falava Du
Bois. Destinado a professores, o texto veiculava a mensagem inequívoca
de que, na sala de aula, a linguagem da raça é um imperativo absoluto,
em nome do qual deve-se ignorar a informação censitária factual.
“Eu
tenho o sonho de que meus quatro pequenos filhos viverão, um dia, numa
nação onde não serão julgados pela cor da sua pele, mas pelo teor de seu
caráter”. A sentença nuclear do discurso de King não solicitava do
reconhecimento de identidades étnicas ou de direitos raciais. Ela exigia
que os Estados Unidos aplicassem o princípio, contido nos seus
documentos fundadores, segundo o qual “todos os seres humanos são
criados iguais”.
A igualdade entre indivíduos livres de todas as
cores, não um acordo político entre coletividades raciais distintas, era
a reivindicação do 28 de agosto de 1963. Eis por que aquele dia
permanece tão atual, lá e aqui.
Eu também tenho um sonho. Sonho
com o dia em que milhões de exemplares do discurso de King sejam
distribuídos, clandestinamente, como material subversivo nas escolas
brasileiras.
Demétrio Magnoli é sociólogo.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Nas Franjas dos Black Blocs
Demétrio Magnoli, O Globo - 15/08 2013.
“Muitos dos jovens que estão usando essa estratégia
da violência nas manifestações vieram das periferias brasileiras. Eles já são
vítimas da violência cotidiana por parte do Estado e por isso os protestos
violentos passam a fazer sentido para eles”.
Rafael Alcadipani Silveira, autor do diagnóstico
que equivale a uma celebração do vandalismo, não é um músico punk, mas um
docente da FGV-SP. O seu (preconceituoso) raciocínio associa “violência” a
“periferia” — como se esse sujeito abstrato (a “periferia”) fosse portador de
uma substância inescapável (a “violência”).
Por meio do conhecido expediente de atribuir a um
sujeito abstrato (a “periferia”) as ideias, as vontades e os impulsos dele
mesmo, Silveira oculta os sujeitos concretos que produzem um “sentido” para
“protestos violentos”. Tais sujeitos nada têm a ver com a “periferia”: são
acadêmicos-ativistas engajados na reativação de um projeto político que
arruinou as vidas de uma geração de jovens na Alemanha e na Itália.
No DNA humano estão inscritas as “pegadas” da
evolução dos seres vivos. Nas obras de arte, encontram-se os sinais de uma
extensa cadeia de influências que as interligam à história da arte.
Similarmente, pode-se identificar nos textos políticos uma genealogia
doutrinária, que se manifesta em modelos argumentativos típicos e expressões
estereotipadas.
O professor da FGV menciona a “violência cotidiana
por parte do Estado”. Nas páginas eletrônicas dos Black Blocs, pipoca a
expressão “Estado policial”. Bruno Torturra, o Mídia Ninja ligado a Marina
Silva, definiu os Black Blocs como “uma estética” e defendeu a “ação direta”,
desde que “dirigida aos bancos”.
Pablo Ortellado, filósofo e ativista, elogiou a
“ação simbólica” de destruição de uma agência bancária que, interpretada “na
interface da política com a arte”, simularia a ruína do capitalismo. Eu já li
essas coisas — e sei onde.
Tudo isso foi escrito na década de 1970, pelos
intelectuais italianos que lideraram os grupos autonomistas Potere Operaio,
Lotta Continua e Autonomia Operaia. Eles mencionavam as qualidades exemplares
da “ação direta” e a eficiência da “violência simbólica”.
Toni Negri pregava a violência como ferramenta para
defender os “espaços” criados pelas “ações de massa” e exaltava o “efeito
terrível que qualquer comportamento subversivo, mesmo se isolado, causa sobre o
sistema”.
Avançando um largo passo, Franco Piperno clamava
pela “combinação” da “potência geométrica da Via Fani” (referência ao sequestro
de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, em Roma, no 16 de março de 1978) “com a
maravilhosa beleza do 12 de março” (alusão ao assassinato de um policial, em
Turim, pelo grupo extremista Prima Linea, em 1977).
Depois do assassinato de Moro, Negri e Piperno
foram processados e injustamente condenados a cumprir sentenças de prisão, que
acabaram sendo revertidas. Intelectuais, de modo geral, não sujam as próprias
mãos. Os líderes autonomistas não integravam as Brigadas Vermelhas ou a Prima
Linea — e, portanto, não deram as ordens que resultaram em atos de terror
Eles apenas ensinaram a seus jovens seguidores,
alguns dos quais viriam a militar nas organizações terroristas, que a violência
é necessária, eficaz e bela. A responsabilidade deles não era criminal, mas
política e moral, algo que jamais tiveram a decência de reconhecer.
Onde fica a fronteira entre a violência “simbólica”
e a violência “real”? Na noite de 2 de abril de 1968 bombas incendiárias
caseiras explodiram em duas lojas de departamentos de Frankfurt, que já estavam
fechadas. A ação pioneira do grupo Baader-Meinhof, inscrita “na interface da
política com a arte”, foi cuidadosamente planejada para não matar ninguém. Era
a violência “só contra coisas”, não “contra pessoas”, na frase de Ortellado
para justificar as ações dos Black Blocs.
O primeiro cadáver do Baader-Meinhof, um guarda
penitenciário, surgiu na operação de resgate de Andreas Baader, em maio de
1970. Depois, vieram outros cadáveres, de chefes de polícia, juízes, promotores
ou empresários. Tais personalidade seriam “símbolos” do “sistema” — isto é,
segundo uma interpretação possível, “coisas”, não “pessoas”.
A tragédia alemã precedeu a tragédia italiana, mas
não a evitou. No “Outono Alemão” de 1977, um jovem radical desiludido escreveu
uma carta amarga, irônica, indagando sobre os critérios para decidir quem tinha
mais responsabilidade pela opressão capitalista — e, portanto, deveria ser
selecionado como alvo. “Por que essa política de personalidades? Não poderíamos
sequestrar junto uma cozinheira? Não deveríamos pôr um foco maior nas
cozinheiras?”
Os nossos alegres teóricos dos Black Blocs aplaudem
o incêndio “simbólico” de uma agência bancária, mas ainda não se pronunciaram
sobre o valor artístico da vandalização de edifícios empresariais,
shopping-centers, delegacias, palácios de governo ou residências. Por que esse
“foco” nos bancos?
Eugênio Bucci — ele também! — usou a palavrinha
“estética” quando escreveu sobre a suposta novidade do “esporte radical e
teatral de jogar coquetel molotov contra os escudos da tropa fardada”. Não
existe, porém, novidade.
Ortellado publicou um artigo sobre as fontes da
“tática” dos Black Blocs, evidenciando suas conexões com os movimentos
autonomistas de “ação direta” na Alemanha e Itália dos anos 1970 e 1980, cujos
destacamentos de choque servem de modelo aos nossos encapuzados.
Ele não diz com clareza, mas as teses políticas que
reativam o culto da manifestação violenta originam-se precisamente de alguns
dos acadêmicos-ativistas daquele tempo, hoje repaginados como mestres grisalhos
do movimento antiglobalização.
Os Black Blocs anunciam um “badernaço nacional”
para o 7 de setembro. Mas o “badernaço” intelectual começou antes, na forma
dessas piscadelas cúmplices para idiotas vestidos de preto que rebobinam um
desastroso filme antigo.
domingo, 11 de agosto de 2013
O Caso Elza.
Assistimos na última sexta-feira, dia 09, trechos do filme Olga, filme brasileiro realizado em 2004, pelo diretor Jayme Monjardim, inspirado na biografia escrita por Fernando Morais sobre a alemã, judia e comunista Olga Benário Prestes
.
Nos comentários que
sobre algumas cenas, chamei atenção para a jovem Elza, retratada no filme e na
biografia como a suspeita de ser a traidora do fracassado Levante de 1935.
Conheça um pedaço da história sobre Luís Carlos Prestes e Olga Benário
que não aparece nos livros didáticos de história e são, quando são,
deturpados em filmes, biografias e documentários.
As palavras abaixo estão no livro de Jacob Gorender, comunista histórico que corajosamente relatou os crimes cometidos pela esquerda no imperdível livro chamado Combate nas Trevas. Segue o relato.
Desde menina, Elvira Cupelo Colônio acostumara-se a ver, em sua casa, os numerosos amigos de seu irmão, Luiz Cupelo Colônio. Nas reuniões de comunistas, fascinava-se com os discursos e com a linguagem complexa daqueles que se diziam ser a salvação do Brasil. Em especial, admirava aquele que parecia ser o chefe e que, de vez em quando, lançava-lhe olhares gulosos, devorando o seu corpo adolescente. Era o próprio Secretário-Geral do Partido Comunista do Brasil (PCB), Antonio Maciel Bonfim, o “Miranda”.
Em 1934, então com 16 anos, Elvira Cupelo tornou-se a amante de “Miranda” e passou a ser conhecida, no Partido, como “Elza Fernandes” ou, simplesmente, como a “garota”. Para Luiz Cupelo, ter sua irmã como amante do secretário-geral era uma honra. Quando ela saiu de casa e foi morar com o amante, Cupelo viu que a chance de subir no Partido havia aumentado.
Entretanto, o fracasso da Intentona, com as prisões e os documentos apreendidos, fez com que os comunistas ficassem acuados e isolados em seus próprios aparelhos.
Nos primeiros dias de janeiro de 1936, “Miranda” e “Elza” foram presos em sua residência, na Avenida Paulo de Frontin, 606, Apto 11, no Rio de Janeiro. Mantidos separados e incomunicáveis, a polícia logo concluiu que a “garota” pouco ou nada poderia acrescentar aos depoimentos de “Miranda” e ao volumoso arquivo apreendido no apartamento do casal. Acrescendo os fatos de ser menor de idade e não poder ser processada, “Elza” foi liberada. Ao sair, conversou com seu amante que lhe disse para ficar na casa de seu amigo, Francisco Furtado Meireles, em Pedra de Guaratiba, aprazível e isolada praia da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Recebeu, também, da polícia, autorização para visitá-lo, o que fez por duas vezes.
Em 15 de janeiro, Honório de Freitas Guimarães, um dos dirigentes do PCB, ao telefonar para “Miranda” surpreendeu-se ao ouvir, do outro lado do aparelho, uma voz estranha. Só nesse momento, o Partido tomava ciência de que “Miranda” havia sido preso. Alguns dias depois, a prisão de outros dirigentes aumentou o pânico. Segundo o PCB, havia um traidor. E o maior suspeito era “Miranda”. As investigações do “Tribunal Vermelho” começaram. Honório descobriu que “Elza” estava hospedada na casa do Meireles, em Pedra de Guaratiba. Soube, também, que ela estava de posse de um bilhete, assinado por “Miranda”, no qual ele pedia aos amigos que auxiliassem a “garota”. Na visão estreita do PCB, o bilhete era forjado pela polícia, com quem “Elza” estaria colaborando. As suspeitas transferiram-se de “Miranda” para a “garota”.
As palavras abaixo estão no livro de Jacob Gorender, comunista histórico que corajosamente relatou os crimes cometidos pela esquerda no imperdível livro chamado Combate nas Trevas. Segue o relato.
Desde menina, Elvira Cupelo Colônio acostumara-se a ver, em sua casa, os numerosos amigos de seu irmão, Luiz Cupelo Colônio. Nas reuniões de comunistas, fascinava-se com os discursos e com a linguagem complexa daqueles que se diziam ser a salvação do Brasil. Em especial, admirava aquele que parecia ser o chefe e que, de vez em quando, lançava-lhe olhares gulosos, devorando o seu corpo adolescente. Era o próprio Secretário-Geral do Partido Comunista do Brasil (PCB), Antonio Maciel Bonfim, o “Miranda”.
Em 1934, então com 16 anos, Elvira Cupelo tornou-se a amante de “Miranda” e passou a ser conhecida, no Partido, como “Elza Fernandes” ou, simplesmente, como a “garota”. Para Luiz Cupelo, ter sua irmã como amante do secretário-geral era uma honra. Quando ela saiu de casa e foi morar com o amante, Cupelo viu que a chance de subir no Partido havia aumentado.
Entretanto, o fracasso da Intentona, com as prisões e os documentos apreendidos, fez com que os comunistas ficassem acuados e isolados em seus próprios aparelhos.
Nos primeiros dias de janeiro de 1936, “Miranda” e “Elza” foram presos em sua residência, na Avenida Paulo de Frontin, 606, Apto 11, no Rio de Janeiro. Mantidos separados e incomunicáveis, a polícia logo concluiu que a “garota” pouco ou nada poderia acrescentar aos depoimentos de “Miranda” e ao volumoso arquivo apreendido no apartamento do casal. Acrescendo os fatos de ser menor de idade e não poder ser processada, “Elza” foi liberada. Ao sair, conversou com seu amante que lhe disse para ficar na casa de seu amigo, Francisco Furtado Meireles, em Pedra de Guaratiba, aprazível e isolada praia da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Recebeu, também, da polícia, autorização para visitá-lo, o que fez por duas vezes.
Em 15 de janeiro, Honório de Freitas Guimarães, um dos dirigentes do PCB, ao telefonar para “Miranda” surpreendeu-se ao ouvir, do outro lado do aparelho, uma voz estranha. Só nesse momento, o Partido tomava ciência de que “Miranda” havia sido preso. Alguns dias depois, a prisão de outros dirigentes aumentou o pânico. Segundo o PCB, havia um traidor. E o maior suspeito era “Miranda”. As investigações do “Tribunal Vermelho” começaram. Honório descobriu que “Elza” estava hospedada na casa do Meireles, em Pedra de Guaratiba. Soube, também, que ela estava de posse de um bilhete, assinado por “Miranda”, no qual ele pedia aos amigos que auxiliassem a “garota”. Na visão estreita do PCB, o bilhete era forjado pela polícia, com quem “Elza” estaria colaborando. As suspeitas transferiram-se de “Miranda” para a “garota”.
O JULGAMENTO
Reuniu-se o “Tribunal Vermelho”, composto por Honório de Freitas Guimarães, Lauro Reginaldo da Rocha, Adelino Deycola dos Santos e José Lage Morales. Luiz Carlos Prestes, escondido em sua casa da Rua Honório, no Méier, já havia decidido pela eliminação sumária da acusada. O “Tribunal” seguiu o parecer do chefe e a “garota” foi condenada à morte. Entretanto, não houve a desejada unanimidade: Morales, com dúvidas, opôs-se à condenação, fazendo com que os demais dirigentes vacilassem em fazer cumprir a sentença. Honório, em 18 de fevereiro, escreveu a Prestes, relatando que o delator poderia ser, na verdade, o “Miranda”.
A reação do “Cavaleiro da Esperança” foi imediata. No dia seguinte, escreveu uma carta aos membros do “Tribunal”, tachando-os de medrosos e exigindo o cumprimento da sentença. Os trechos dessa carta de Prestes, a seguir transcritos, constituem-se num exemplo candente da frieza e da cínica determinação com que os comunistas jogam com a vida humana:
A REAÇÃO DE PRESTES.
Reuniu-se o “Tribunal Vermelho”, composto por Honório de Freitas Guimarães, Lauro Reginaldo da Rocha, Adelino Deycola dos Santos e José Lage Morales. Luiz Carlos Prestes, escondido em sua casa da Rua Honório, no Méier, já havia decidido pela eliminação sumária da acusada. O “Tribunal” seguiu o parecer do chefe e a “garota” foi condenada à morte. Entretanto, não houve a desejada unanimidade: Morales, com dúvidas, opôs-se à condenação, fazendo com que os demais dirigentes vacilassem em fazer cumprir a sentença. Honório, em 18 de fevereiro, escreveu a Prestes, relatando que o delator poderia ser, na verdade, o “Miranda”.
A reação do “Cavaleiro da Esperança” foi imediata. No dia seguinte, escreveu uma carta aos membros do “Tribunal”, tachando-os de medrosos e exigindo o cumprimento da sentença. Os trechos dessa carta de Prestes, a seguir transcritos, constituem-se num exemplo candente da frieza e da cínica determinação com que os comunistas jogam com a vida humana:
A REAÇÃO DE PRESTES.
“Fui dolorosamente surpreendido pela falta de resolução e vacilação de vocês. Assim não se pode dirigir o Partido do Proletariado, da classe revolucionária.” … “Por que modificar a decisão a respeito da “garota”? Que tem a ver uma coisa com a outra? Há ou não há traição por parte dela? É ou não é ela perigosíssima ao Partido…?” … “Com plena consciência de minha responsabilidade, desde os primeiros instantes tenho dado a vocês minha opinião quanto ao que fazer com ela. Em minha carta de 16, sou categórico e nada mais tenho a acrescentar…” … “Uma tal linguagem não é digna dos chefes do nosso Partido, porque é a linguagem dos medrosos, incapazes de uma decisão, temerosos ante a responsabilidade. Ou bem que vocês concordam com as medidas extremas e neste caso já as deviam ter resolutamente posto em prática, ou então discordam mas não defendem como devem tal opinião.”
Ante tal intimação e reprimenda, acabaram-se as dúvidas. Lauro Reginaldo da Rocha, um dos “tribunos vermelhos”, respondeu a Prestes:
A DISCIPLINA PARTIDÁRIA
“Agora, não tenha cuidado que a coisa será feita direitinho, pois a questão do sentimentalismo não existe por aqui. Acima de tudo colocamos os interesses do P.”
Decidida a execução, “Elza” foi levada, por Eduardo Ribeiro Xavier (”Abóbora”), para uma casa da Rua Mauá Bastos, Nº 48-A, na Estrada do Camboatá, onde já se encontravam Honório de Freitas Guimarães (”Milionário”), Adelino Deycola dos Santos (”Tampinha”), Francisco Natividade Lira (”Cabeção”) e Manoel Severino Cavalcanti (”Gaguinho”).
O JUSTIÇAMENTO.
Elza, que gostava dos serviços caseiros, foi fazer café. Ao retornar, Honório pediu-lhe que sentasse ao seu lado. Era o sinal convencionado. Os outros quatro comunistas adentraram à sala e Lira passou-lhe uma corda de 50 centímetros pelo pescoço, iniciando o estrangulamento. Os demais seguravam a “garota”, que se debatia desesperadamente, tentando salvar-se. Poucos minutos depois, o corpo de “Elza”, com os pés juntos à cabeça, quebrado para que ele pudesse ser enfiado num saco, foi enterrado nos fundos da casa. Eduardo Ribeiro Xavier, enojado com o que acabara de presenciar, retorcia-se com crise de vômitos.
Perpetrara-se o hediondo crime, em nome do Partido Comunista.
Poucos dias depois, em 5 de março, Prestes foi preso em seu esconderijo no Méier. Ironicamente, iria passar por angústias semelhantes, quando sua mulher, Olga Benário, foi deportada para a Alemanha nazista.
Alguns anos mais tarde, em 1940, o irmão de “Elza”, Luiz Cupelo Colônio, o mesmo que auxiliara “Miranda” na tentativa de assassinato do “Dino Padeiro”, participou da exumação do cadáver. O bilhete que escreveu a “Miranda”, o amante de sua irmã, retrata alguém que, na própria dor, percebeu a virulência comunista:
“Rio, 17-4-40″
Meu caro Bonfim, Acabo de assistir à exumação do cadáver de minha irmã Elvira. Reconheci ainda a sua dentadura e seus cabelos. Soube também da confissão que elementos de responsabilidade do PCB fizeram na polícia de que haviam assassinado minha irmã Elvira. Diante disso, renego meu passado revolucionário e encerro as minhas atividades comunistas. Do teu sempre amigo, Luiz Cupelo Colônio”.
sábado, 3 de agosto de 2013
A Era Vargas 1
A ERA VARGAS
O período compreendido entre 1930 e 1945, quando o Brasil foi governado
por Getúlio Vargas, é chamado pelos historiadores de Era Vargas.
Esse período costuma ser dividido em três fases: Governo Provisório
(1930-1934); Governo Constitucional (1934-1937) e Estado Novo
(1937-1945). Cada uma dessas fases apresentou algumas particularidades
que serão abordadas em nossas aulas.
Antes, porém, é preciso explicar que todo o período compreendido entre 1930 e 1945 ficou marcado especialmente pela política trabalhista, que garantiu aos trabalhadores urbanos direitos como o salário
mínimo, as férias remuneradas e a jornada de trabalho de 8h/dia; além
de regulamentar o trabalho feminino e de jovens a partir dos 14 anos de
idades; e pelo que os historiadores chamaram de modernização conservadora,
isto é, a economia, a política, a educação, os direitos sociais
passaram por reformas que modernizaram esses setores, mas a partir de
uma organização política centralizadora. Em outras palavras: o poder
federal passou a decidir praticamente sozinho os rumos que o Brasil
deveria seguir.
O Governo Provisório (1930 - 1934)
Após o golpe de estado, em outubro de 1930 (os historiadores, e
consequentemente os livros didáticos chamam esse golpe de Revolução de
30), Getúlio Vargas assume o comando do governo provisório e em pouco
tempo adota medidas que revelam o caráter autoritário de sua visão
política: Entre as várias medidas podemos citar:
1 - O fechamento do Congresso Nacional
2 - A anulação da Constituição de 1891
3 - A destituição dos governadores e a nomeação de interventores para governar os estados
4 - O fechamento das assembleias estaduais e municipais.
Mesmo diante de tais medidas, como explicar o apoio maciço a um governo
que tomou o poder à força, restringiu as liberdades individuais e
reprimiu com violência aqueles que tentaram se opor à nova Ordem? A
resposta a essa pergunta pode ser encontrada em três fatores: o primeiro
deles veio da forte aproximação do Governo Provisório com a Igreja
Católica. Essa aproximação, por exemplo, garantiu que nas escolas
privadas e públicas fossem ministradas aulas de ensino religioso, que
numa população majoritariamente católica, se confundiria com o ensino da
doutrina católica nos colégios. Essa proximidades do governo com a
Igreja explica por que tantos brasileiros católicos apoiaram o
presidente Vargas.
No entanto, outros fatores devem ser considerados. Penso que esses
outros fatores tiveram uma importância ainda maior na explicação da
popularidade de um governo francamente autoritário. As décadas de 1920 e
1930 foram anos de descrédito dos valores liberais e democráticos.
Afinal, Mussolini, Stálin e Hitler eram aclamados como grandes líderes
de movimentos que deploravam a democracia liberal e que estavam
conduzindo um processo de desenvolvimento econômico e social a partir de
uma visão totalitária. Ora, se a falta de democracia parecia estar
trazendo bons resultados na Itália e na Alemanha fascistas, além da
União Soviética socialista, por que não tentar esse caminho no Brasil?
Mesmo os Estados Unidos, na era Franklin Delano Roosevelt, com seu
programa intervencionista, o New Deal, pareciam abrir mão de alguns
princípios liberais e democráticos em prol do desenvolvimento social e
econômico do país abalado pelos efeitos da Grande Depressão. Em síntese:
Os anos 20 e 30 do século passado pareciam apostar no autoritarismo
político como alternativa à democracia liberal. Não seria diferente no
Brasil.
Finalmente, outro fator que contribuiu para a popularidade do governo
foi a política trabalhista que garantiu aos trabalhadores urbanos
direitos há muito reclamados pelos movimentos operários desde princípios
do século XX. Todos esses fatores explicam a grande popularidade de um
governo francamente autoritário.
quarta-feira, 22 de maio de 2013
A morte de Lampião e de seu bando.
O CANGAÇO MARCOU O SERTÃO NORDESTINO POR MEIO SÉCULO.
Há
75 anos, chegava ao fim o bando de Lampião, o mais célebre dos cangaceiros,
bandoleiros que saqueavam o sertão na República Velha.
Na escadaria da Igreja de Piranhas (AL), a polícia exibe seu arranjo macabro: as cabeças de lampião (ao centro, embaixo), de Maria Bonita e do restante do bando. |
Em 28 de julho de 1938, uma
sanguinária madrugada entrava para a história. Naquele dia, um grupo de
policiais pegou de “assalto” Lampião e seu bando em Sergipe, matando o rei do
cangaço, sua mulher, Maria Bonita, e oito homens e uma mulher de seu bando.
Todos foram decapitados e suas cabeças foram exibidas como prêmio nas
escadarias da igreja de Piranhas (AL)
A palavra cangaceiro é uma
derivação de “canga”, estrutura de madeira que se encaixa nas “costas” de bois
de carga para que os animais façam a tração de carroças. Os cangaceiros levavam
seus pertences nos ombros em suas andanças, daí o nome. O cangaço é fruto da miséria e do abandono
social que dominavam as regiões mais remotas do país. Já no período das
Regências e do II Império, esse quadro provocara revoltas como a Cabanagem, no
Pará (1835-1840),e a Balaiada, no Maranhão (1838-1841). Também resulta do
coronelismo, regime baseado no poder político e econômico dos latifundiários,
característica da República Velha (1889-1930).
Banditismo Social
O processo de transformação de
cidadãos em “foras-da-lei”, causado pela pobreza, é chamado de banditismo
social. São pessoas que pegam em armas por não encontrar outros meios de
inserção social ou de sobrevivência.
Os primeiros cangaceiros
trabalhavam como jagunços matadores para os coronéis. Os primeiros grupos de
bandoleiros aparecem no final do século XIX. Diante da miséria e dos abusos dos
coronéis, surgem quadrilhas que vagam pelo sertão, assaltam sertanejos
isolados, vilas e fazendas.
Histórias sobre os crimes
dos cangaceiros passam a fazer parte da cultura popular, revestidas da aura de
aventuras, e teriam fascinado Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Nascido
em 1897, no sertão de Pernambuco, ele cresceu ouvindo relatos sobre o
cangaceiro Antônio Silvino. Após assumir a liderança do grupo do cangaceiro
Sinhô Pereira, Lampião passou a ocupar um lugar de destaque na história do
cangaço, que estava vazio desde a prisão de Antônio Silvino, em 1914.
Crueldade mítica.
Os jornais da época, com
base em depoimentos de policiais sobre o bando, atribuem a Lampião atos e assassinatos de extrema crueldade. Diferentemente
de outros cangaceiros famosos, mais arredios à publicidade, Lampião
preocupou-se bastante em construir uma imagem pública e passou a conceder
entrevistas e permitir fotos. Sua fama chegou ao ápice em 1926, quando foi
incorporado ao Batalhão Patriótico, uma milícia do governo. O objetivo dos
homens do batalhão era combater a Coluna Prestes (1925-1927), movimento
liderado por militares, principalmente tenentes, que percorreu o país propondo
reformas políticas e sociais contra a pobreza, durante a República Velha. Ao
tomarem a decisão de pertencer à milícia, os homens de Lampião chegaram à
Juazeiro do Norte (CE) como salvadores da pátria, aclamados pela população.
Como recompensa pela missão, Lampião e seu bando seriam anistiados. Porém, essa
promessa nunca foi cumprida, e os cangaceiros não entraram em confronto com a
Coluna.
Lampião atua com seus
cangaceiros principalmente no sertão de Sergipe, Pernambuco e Bahia, mas há
registros de assaltos também na área que vai do estado de Alagoas ao Ceará. Ele
teria conhecido Maria Bonita em 1929. Ela deixa o marido, integra-se ao bando e
acaba por também se tornar famosa.¹ Em 1930, o bebê que seria o primeiro filho
de Lampião com Maria Bonita nasce morto. Dois anos depois, nasce Expedita, que
o casal entrega a um coiteiro – como eram chamados os comparsas dos cangaceiros
– para que ele a criasse.
Emboscada final
O cangaço chega ao fim
durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que moderniza o país e reforça
o aparato policial sob controle do Estado.
Lampião e seus cangaceiros
morrem em uma emboscada noturna na fazenda de Angico, em Sergipe. Um coiteiro
torturado pela polícia teria denunciado o esconderijo de Lampião.
Aproximadamente 50 soldados da Polícia Militar teriam participado da ação,
partindo de Piranhas (AL) para encurralar o cangaceiro e o seu bando. Pegos de
surpresa, os comandados de Lampião não teriam conseguido reagir diante do fogo
cruzado de fuzis e metralhadoras.
Os cadáveres decapitados
foram exibidos como troféus da vitória da ordem e das instituições – de forma
semelhante ao ocorrido com Zumbi, do Quilombo dos Palmares, e Tiradentes.
Durante mais de 30 anos, a cabeça de Maria Bonita e a de Lampião permaneceram
expostas no Museu da Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador, até ser
definitivamente sepultada, em fevereiro de 1969.
Fonte: GE ATUALIDADES 2013.
I semestre. P. 108 e 109.
1 - Ficaram famosos os versos de cordel de Octacílio Batista, que seguem abaixo:
Virgulino Ferreira, o Lampião
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão.
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão.
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor
segunda-feira, 20 de maio de 2013
Vídeos sobre Canudos e Contestado
Os Vídeos são um tanto ideológicos e direcionados mais aos alunos do Ensino Fundamental, mas há sempre o que aprender com eles.
domingo, 19 de maio de 2013
Lampião, o facínora dos sertões.
Área de atuação do bando de Lampião. |
A SEDUÇÃO DOS BANDIDOS. DE
LAMPIÃO A LEONARDO PAREJA, O QUE AFINAL NOS ATRAI NESSES FORAS DA LEI?
Um
homem armado invade uma casa em busca de comida. A dona, humilde viúva da zona
rural, não tem o que oferecer. Tomado por um ataque de fúria, o invasor dá uma
surra na mulher e depois se volta para o jovem filho da viúva, que presencia
tudo. Põe então em prática seu gosto por rituais de sadismo gratuito: enfia o
órgão genital do menino numa gaveta e a tranca com chave. Depois, ateia fogo à
casa. Desesperado, o rapaz é obrigado a cortar o próprio pênis para salvar a
vida.
O
facínora responsável por esse crime hediondo é hoje um mito nacional: Virgulino
Ferreira, vulgo Lampião. Sua ficha criminal não caberia em todas as páginas
desta edição. Durantes 22 anos, liderou um bando de cangaceiros em ataques
sangrentos num vasto perímetro de sete estados do Nordeste. Arrasavam vilas e
propriedades rurais. Estupravam mulheres. Castravam rapazes. Enterravam gente
viva. Cortavam cabeças. Sangravam inocentes como animais em praça pública.
Marcavam com ferro em brasa o rosto de moças que se vestiam de modo
“inadequado”.
Os
poderosos da época anunciavam publicamente sua indignação com os atentados em
série e suplicavam verbas do governo federal para caçar os cangaceiros. Mas,
nos bastidores, faziam acordos com os chefes da gangue, vendiam-lhe armas e
contratavam seus valiosos serviços de jagunço para se livrarem de desafetos e
se apossarem de terras abandonadas. O terror promovido pelo cangaço contribuiu
para a migração em massa do Nordeste para o Sudeste nas primeiras décadas do
século XX. Os cordéis da época lamentavam o sofrimento do sertanejo nas mãos dos
bandidos
É um tormento horroroso
essa tal situação,
da gente não poder mais
viajar pelo sertão
para encontrar pelo caminho
indo cair direitinho
nas unhas de Lampião.
Como
explicar que, hoje, esse bandido quase só receba loas, como símbolo de
cabra-macho, vingador do sertão? Como explicar Lampião, o Mito?
É
o que se perguntava desde criança a antropóloga Luitgarde Cavalcanti. Sua mãe
caíra nas garras do cangaceiro quando jovem. No município de Santana de Ipanema
(AL), Lampião trancou as moças da família em uma casa e ordenou que ninguém de
seu bando encostasse nelas. Não foi um súbito acesso de bondade. Luitgarde
atribui a decisão ao racismo do “rei do cangaço”. Descendentes de holandeses,
com pele clara, olhos azuis, bem vestidas, aquelas mulheres impressionaram
Lampião pelo fino trato e pela boa aparência. Eram, enfim, de uma “raça
refinada”.
Por
mais de 20 anos, Luitgarde se dedicou a investigar o cangaço, o que resultou no
livro A derradeira gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão (2000). Para
ela, a mitificação de Lampião é um absurdo histórico a ser corrigido. “Ele só
conseguiu permanecer 22 anos praticando os seus crimes porque servia à classe
dominante”. O êxodo provocado por Lampião refez o latifúndio no sertão
nordestino. Enquanto foi vivo, ele não era mitificado pelo povo. “Até o início
de 1960, nenhum cordel dizia que Lampião teria ido para o céu; ele sempre
aparecia no inferno”, diz ela. Tanto que o coronel Lucena Maranhão, o homem que
matou o pai do cangaceiro e mais tarde liderou a caçada que resultou na morte
do próprio Lampião (1938), entrou para a história como benfeitor público.
Então,
quando, e por obra de quem, surgiu o Lampião fictício, guerreiro de Brasil
miserável? A pesquisadora aponta origens distintas para essa deturpação. Em
primeiro lugar estão os que participaram ou que se beneficiaram do cangaço. Os
irmãos Melchiades e Ezequias da Rocha, por exemplo, descendiam dos “coiteiros”
de Lampião – gente que ajudava os cangaceiros a se esconder e os apoiava com
serviços variados. Aos Rocha soava bem melhor ter ancestrais ligados a um
“justiceiro” do que serem conhecidos como protetores de bandidos. Eis porque, a
partir dos anos 1940, o jornalista Melchiades, repórter de A Noite, passou a
defender um novo olhar sobre o cangaço, enquanto o senador e médico Ezequias
compunha cordéis sob o pseudônimo de Zabelê. Trazem sua assinatura os primeiros
versos conhecidos em que Lampião tem seus atos legitimados pela corrupção reinante,
como estes:
Para havê paz no Sertão,
E as moça pudê prosá
E os rapaz pudê se ri
E os menino diverti
É preciso inleição
Pra fazê de Lampião
Gunvenadô do Brasil.
A
versão de que Lampião simbolizava um certo ideal de justiça social atendia a
vários interesses, até mesmo para os potentados regionais da política e da
Justiça. No outro extremo dos embates políticos, o novo Lampião caía como uma
luva para a propaganda comunista no Brasil, como exemplo de “herói camponês” –
a Internacional Comunista chegou a pensar em recrutá-lo como guerrilheiro. Nos
anos de 1960, quando sobreveio a ditadura e a esquerda se aferrou a símbolos de
libertação popular, não havia mais dúvida sobre quem teriam sido os vilões e os
heróis nos combates entre cangaceiros e a polícia corrupta dos coronéis.
Some-se a tudo isso a liberdade poética dos cordelistas e cantadores, tendo à
mão o apelo dramático de personagens altamente simbólicos e já distantes no
tempo. Receita pronta e infalível para o nascimento do bom bandido.
Aliás,
fora de seu contexto, o bordão “Bandido bom é bandido morto”, popularizado pelo
ex-deputado fluminense Sivuca, tem a precisão de uma máxima sociológica. Pois é
justamente o que afirma o historiador best-seller britânico Eric Hobsbawm em
Bandidos, obra de referência para os estudos sobre o conceito de “banditismo
social”: “Sem dúvida, é mais fácil converter bandidos mortos, ou até mesmo
remotos, em Robin Hoods, qualquer que tenha sido seu comportamento real”. Se
bandido bom é bandido morto, melhor ainda é bandido inexistente. Como comprova
o mesmo Hobsbawm ao apontar a lenda de Robin Hood como ideal universal do bom
ladrão. Sem os pecados e as contradições dos criminosos de carne e osso, ele se
beneficiou da imaterialidade para perenizar-se no imaginário do honrosa e
eterna odisseia humana em sua luta contra autoridades ilegítimas ou injustas.
Em
Bandidos, lançado no Brasil em 1975, Hobsbawm faz uma viagem panorâmica por
diversos exemplos de “bandidos sociais” ao redor do mundo, procurando embasar
esse novo conceito em critérios socioculturais aproximativos. O livro virou
referência, para o bem ou para o mal: criticado por muitos, mas
obrigatoriamente citado desde então. O contexto de atuação dos bandidos sociais
de Hobsbawm se relaciona com a era moderna – a partir da formação dos estados
nacionais e do controle dos territórios por poderes centrais – e se dá sempre
na área rural. A maior causa das críticas à obra é sua análise genérica de que
esse tipo de banditismo teria um significado pré-político, demarcando um início
de reação das populações excluídas contra a opressão dos poderes locais. Para
Hobsbawm, Lampião entra no rol dos “bandidos sociais”, embora com a ressalva de
que ra um personagem ambíguo, meio “nobre”, meio “monstro”.
Ainda
que percam precisão quando generalizados, alguns modelos de Hobsbawn são úteis
para uma verificação da presença, ou não, do bandido social em casos
específicos de crimes. Um deles é o fator vingança. Em diversos tempos e
culturas, a vingança é encarada como motivo aceitável para se pegar em armas a
fim de fazer justiça com as próprias mãos. Foi o que levou outro cangaceiro
notório, Antônio Silvino (1875-1944), a conquistar sua vaga no Paraíso dos
cordéis: ele começou sua vida bandida para vingar o pai assassinado. O mesmo
argumento por vezes é usado para defender Lampião. Mais uma vez a caçadora do
mito Luitgarde Cavalcanti se insurge contra a tese: “Isso é outra mentira.
Lampião entrou ara o cangaço com o pai muito vivo, em 1916. O pai dele só
morreu cinco anos depois”. Quando muito, teria caído na marginalidade por conta
de violentas rixas familiares anteriores. Em seu livro, Luitgarde chama de
“escudo ético” o pretexto da vingança paterna utilizada por Lampião para
justificar suas ações. Antônio Silvino, em oposição, ganha crédito da
pesquisadora por ter mantido um “resto de honra”, obedecendo a certos limites –
não estuprava e não castrava, por exemplo.
Fonte:
Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 6, n° 68, maio de 2011. P 17 a
21.
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