Em 17 de julho [de 1945],
chegou uma notícia de impacto mundial. À tarde, Stimson foi ter comigo na casa
em que eu estava hospedado e pôs à minha frente uma folha de papel com as
palavras: “Bebês nascidos satisfatoriamente.” Pelo jeito dele, percebi que algo
de extraordinário havia acontecido. “Significa”, disse ele, “que a experiência
no deserto mexicano deu certo. A bomba atômica é uma realidade.” (...) Nenhum
cientista responsável dispunha-se a prever o que aconteceria quando fosse
testada a primeira explosão atômica completa. Seriam essas bombas inúteis, ou
teriam um efeito aniquilador? Agora sabíamos. Os “bebês” haviam “nascido
satisfatoriamente.” Ninguém ainda era capaz de medir as consequências militares
da descoberta, e ninguém até hoje mediu nada mais sobre ela.
Na manhã seguinte, chegou um
avião com a descrição completa desse evento aterrador na história humana. (...)
A bomba, ou um seu equivalente, fora detonada no alto de uma torre de cem pés
de altura. Todos tinham sido retirados num raio de dez milhas, os cientistas e
suas equipes abaixados atrás de paredes e abrigos de concreto maciço, mais ou
menos a essa distância. A explosão foi aterradora. Uma imensa coluna de chamas
e fumaça projetara-se par a fímbria da atmosfera de nossa pobre Terra.
Devastação absoluta num raio de uma milha. Ali estava, portanto, um fim veloz
para a Segunda Guerra Mundial, e talvez para muitas outras coisas.
O Presidente [Truman]
convidou-me a conversar com ele logo em seguida. (...) Até aquele momento [
antes da obtenção da bomba] havíamos organizados nossas ideias em torno de um
ataque à nação japonesa por meio de um terrível bombardeio aéreo e da invasão
por exércitos imensos. Havíamos considerado a resistência desesperada dos
japoneses, lutando até a morte com devoção de samurais, não apenas em batalhas
acirradas, mas em cada gruta e abrigo. Eu guardava a lembrança do espetáculo da
ilha de Okinawa, onde muitos milhares de japoneses, em vez de se renderem,
haviam-se dispostos em fileiras e se destruído com granadas de mão, depois de
seus comandantes haverem solenemente praticado o ritual do hara-kiri
[suicídio]. Sufocar a resistência japonesa homem a homem e conquistar o país
palmo a palmo bem poderia exigir a perda de um milhão de vidas americanas e
metade desse número em vidas inglesas. – ou mais, se conseguíssemos levar os
homens até lá, pois estávamos decididos a compartilhar dessa agonia. Agora,
todo esse quadro de pesadelo havia desaparecido. Em lugar dele estava a visão –
realmente clara e luminosa, ao que parecia – do término de toda a guerra em um
ou dois impactos violentos. De minha parte, ocorreu-me imediatamente que o povo
japonês, cuja coragem eu sempre admirara, poderia encontrar no surgimento dessa
arma quase sobrenatural um pretexto que lhe salvasse a honra e o libertasse da
obrigação de ser morto até o último combatente.
Além disso, não
precisaríamos dos russos. O fim da guerra japonesa já não dependia da entrada
profusa de seus exércitos para a matança final e talvez demorada. Não tínhamos
necessidade de lhe pedir favores. (...) De repente, parecíamos ter ficado de
posse de uma abençoada abreviação da carnificina no Oriente e de uma
perspectiva muito melhor na Europa. Não tenho dúvida de que essas ideias
estavam na mente dos nossos amigos americanos. Seja como for, nunca se discutiu
nem por um momento se a bomba atômica deveria ou não ser usada. Evitar uma
vasta e infindável carnificina, levar a guerra a seu fim, trazer a paz para o
mundo e cicatrizar as feridas de seus povos torturados, por meio da
manifestação de um poder esmagador, ao preço de umas poucas explosões,
pareciam, após todos os nossos esforços e perigos, um milagre de libertação.
O consentimento inglês ao
uso da arma fora dado, em princípio, em 4 de julho, antes da realização do
teste. A decisão final cabia agora sobretudo ao presidente Truman, que possuía
a arma; mas nunca duvidei de qual seria ela, nem duvidei, desde então, de que
foi acertada. Resta o fato histórico, a ser julgado pela posteridade, de que a
decisão de usar ou não a bomba atômica para forçar a rendição do Japão nunca
foi objeto de debate. Houve um acordo unânime, automático e incontestável em
torno de nossa mesa; e jamais, tampouco, a menor insinuação de que devêssemos
ter agido de outra maneira.
Uma questão mais intricada
era o que dizer a Stalin. O Presidente e eu já não achávamos precisar de sua
ajuda para conquistar o Japão. [Stalin] fora um aliado magnífico na guerra
contra Hitler e ambos achamos que devia ser informado do grande Fato Novo que
agora dominava a cena, embora não de quaisquer dados específicos. Como lhe
darmos a notícia? Conviria fazê-lo por escrito ou verbalmente? (...) “Penso”,
disse ele [o presidente Truman], “que é melhor eu apenas lhe dizer, depois de
um dos nossos encontros, que temos uma forma inteiramente nova de bomba, uma
coisa muito fora do comum, que achamos que terá efeitos decisivos na vontade
japonesa de continuar a guerra.” Concordei com essa linha.
Fonte: Memórias da Segunda
Guerra Mundial. Winston Churchill; p.1096-1098.
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