terça-feira, 18 de maio de 2010

O New Deal

O comunista Roosevelt

Ele, sim, fixava preço, salário, jornada
e se metia até em eleição sindical

Bettmann/Corbis/Latinstock
UM NOVO OLHAR
O juiz Louis Brandeis, da Suprema Corte: capitalismo humanizado


Quando se ouve falar dos trilhões de dólares que Barack Obama está despejando em empresas e bancos, fica-se com a impressão de que a Casa Branca nunca interferiu tanto na economia. É engano. Ao assumir o governo, em 1933, Franklin Roosevelt, então com 51 anos, dos quais passou 25 só pensando em como chegar à Presidência, encontrou um cenário desolador. O desemprego castigava 13 milhões de americanos, 10 000 bancos haviam falido, o PIB caíra 25%, 1 000 americanos perdiam sua casa por dia. Com o apoio da opinião pública e do Congresso, Roosevelt lançou o pacote mais intervencionista da história americana, o New Deal. As leis – numerosas, detalhadas e quase todas inconstitucionais – davam-lhe poderes inimagináveis hoje em dia. O governo podia fixar o preço do litro do leite, estabelecer cotas de produção de petróleo, definir o tamanho da jornada de trabalho dos bancários, fechar o mercado a indústrias estrangeiras, dar e cancelar licenças de negócios. Roosevelt se metia até em eleição sindical. Coisa de dar inveja a líder soviético.

"Era difícil imaginar leis que fossem mais agressivas ao laissez-faire, à liberdade de contrato e à competição de livre mercado", escreveu Peter Irons, autor de A People’s History of the Supreme Court (Uma história da Suprema Corte sob a ótica do povo), um livro fabuloso em que narra, com precisão e argúcia, as decisões mais relevantes da história da Suprema Corte. "Também era difícil imaginar leis que se baseassem em noções tão elásticas dos poderes constitucionais." Roosevelt criou uma burocracia tão volumosa que alguns patrões tinham de pagar salários diferentes em diferentes horas do dia de trabalho. Cabia ao governo dizer aos agricultores o número de hectares em que podiam plantar algodão ou milho. Ao pecuarista, quantas cabeças de gado podia criar ou o tamanho de seu aviário. Para garantir a implantação das leis, o presidente criou uma agência cujo comando entregou a um general fascista que adorava o ditador italiano Benito Mussolini. Eram outros tempos. Mussolini estava no poder fazia uma década. Adolf Hitler chegara ao comando da Alemanha havia um mês.

Corbis/Latinstock
ERA DESOLADOR
Um acampamento de sem-teto nos anos 30

Passaram-se dois anos, de 1933 a 1935, até que as primeiras leis do New Deal chegassem ao julgamento da Suprema Corte, que começou então a cortar as asas discricionárias do presidente. Tal como um comissário soviético, Roosevelt esperneou. Em conversa hoje célebre com repórteres na Casa Branca, falou de suas preocupações. E se a fábrica cortar o salário mínimo, o que os operários farão? E se aumentarem a jornada de trabalho das costureiras até 9 da noite, o que as meninas farão? Sairão às 5 da tarde, arriscando perder o emprego? Para cortar as asas da Suprema Corte, Roosevelt maquinou uma intervenção pela qual acrescentaria em todos os tribunais um novo juiz para cada juiz com mais de 70 anos. Dos nove juízes da Suprema Corte, seis eram septuagenários. A proposta não foi em frente, mas os velhinhos começaram a se aposentar. Um dos primeiros foi Louis Brandeis, magistrado rigoroso, avesso às grandes empresas e – coisa rara então – preocupado com direitos humanos.

Em seu tempo, Roosevelt também foi sistematicamente acusado de socialista. Aristocrático e poliglota, ele foi, como diz uma de suas numerosas biografias, "um traidor de sua classe". Não deu trégua a empresários e industriais. Foi o presidente que mais se empenhou em dar assistência a desempregados, amparar velhos e proteger trabalhadores. Foi o "comunismo" de Roosevelt que salvou a economia? Provavelmente não. O que arrancou o país da recessão foi o esforço para entrar na II Guerra e decidi-la, e não o intervencionismo do New Deal. Mas Roosevelt mudou a própria organização da sociedade americana. Só depois dele os humildes do capitalismo ganharam um lugar à mesa.

Fonte: Revista Veja, 18 de março de 2009.


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