terça-feira, 22 de setembro de 2009

Getúlio e a crise política

Fonte: FGV (Fundação Getúlio Vargas)

O cenário político que Getúlio Vargas encontrou no início dos anos 1950 era bem mais difícil do que o enfrentado por ele durante a década de 1930, uma vez que, no segundo caso, governaria em um sistema político aberto e sem o apoio da maioria no Congresso. A política trabalhista e o desenvolvimento econômico de cunho nacionalista que tentaria implantar nesse segundo governo encontraria forte oposição no Parlamento e nas Forças Armadas.

Afonso Arinos, deputado pela UDN,  discursando na Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, 1953. Apesar dos esforços despendidos pelo presidente no sentido de atrair seus opositores para o governo, em meados de 1952 já estava claro que a União Democrática Nacional (UDN), principal partido de oposição, não abdicaria de sua posição antigetulista. Esse quadro se agravaria com as tensões sociais provocadas pelo aumento da inflação e do custo de vida, que atingia particularmente as classes médias e o operariado. Diante da conjuntura política desfavorável e da necessidade de adotar políticas antiinflacionárias e, portanto antipopulares, Vargas decidiu, em junho de 1953, fazer uma reforma ministerial. Para o Ministério do Trabalho, nomeou João Vicente Belchior Goulart, conhecido como Jango.

João Goulart era um jovem estancieiro do Rio Grande do Sul, que se havia aproximado muito de Vargas durante o período em que este permaneceu em São Borja (1946-1950), e fora um dos principais articuladores da sua campanha para a presidência da República. Principal liderança do Partido Trabalhista (PTB) nos anos 1950, Jango era muito próximo dos sindicatos e representava, na reforma de 1953, o esforço do governo para neutralizar uma oposição de setores da esquerda que começava a despontar. Por outro lado, o novo ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, companheiro de Vargas desde a Revolução de 1930, defendia a estabilização econômica, dispondo-se a desenvolver um programa antiinflacionário.

Em janeiro de 1954, começou a crescer a pressão dos trabalhadores pelo aumento do salário mínimo. Manter o salário em níveis não inflacionários era condição indispensável para o êxito da política de estabilização desenvolvida por Oswaldo Aranha nos últimos meses. Entretanto, corriam boatos de que Goulart cederia às pressões populares e concederia um aumento para o mínimo de cerca de 100%.

A resposta não demorou a chegar. No mês seguinte, fevereiro de 1954, 82 coronéis e tenentes-coronéis, ligados à ala conservadora do Exército no Rio de Janeiro, assinaram um documento que ficou conhecido como Manifesto ou Memorial dos Coronéis. Nesse memorial, elaborado no dia 8 e divulgado na íntegra pela imprensa 12 dias depois, os coronéis alardeavam a "deterioração das condições materiais e morais" indispensáveis ao pleno desenvolvimento do Exército, onde "perigoso ambiente de intranqüilidade", começava a se alastrar. Os coronéis conclamavam seus superiores a promover uma "campanha de recuperação e saneamento no seio das classes armadas", com o firme propósito de restaurar os "elevados padrões de eficiência, de moralidade, de ardor profissional e dedicação patriótica, que (...) asseguravam ao Exército respeito e prestígio na comunidade nacional".

O memorial protestava principalmente contra o descaso do governo em face das necessidades do Exército, como, por exemplo, as de remodelar instalações precárias em todo território nacional, reequipar as unidades, cujo material bélico era em sua maioria obsoleto, e conceder reajuste salarial aos militares, que viviam em "eterna disparidade" em relação às forças armadas de outros países. Nesse sentido, teciam sérias críticas ao aumento de 100% do salário mínimo proposto por Goulart, que provocaria distorções salariais graves, fazendo com que um operário percebesse um salário próximo ao de um oficial do Exército.

Ministro da Guerra, Ciro do Espírito Santo Cardoso (à direita de farda), o presidente Getúlio e o ministro da Agricultura, João Cleofas (sentado de terno branco). Barra do Piraí (RJ), 26 jan 1952. Ante a repercussão do memorial nos meios políticos e militares, Vargas optou pela substituição imediata de seus ministros da Guerra e do Trabalho, Ciro do Espírito Santo Cardoso e João Goulart, ambos identificados com a política nacionalista de seu governo e envolvidos diretamente na questão do aumento salarial. Jango apresentou pedido de demissão, que foi aceito pelo presidente em 22 de fevereiro de 1954, mas em 1o de maio Getúlio anunciou em discurso inflamado o novo salário mínimo, nos termos propostos por João Goulart.

Apesar do sucesso popular da medida, houve forte reação do empresariado e dos meios políticos. Várias denúncias circulavam pelo país, entre elas a de que existiria um acordo entre Perón, Vargas e Goulart no sentido de implantar no país uma república sindicalista no Brasil. A partir desse momento, a oposição civil e militar retomou o movimento conspiratório que desembocaria na crise de agosto e no suicídio do presidente.

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