domingo, 27 de setembro de 2009

Estatitas e privatistas

No início da década de 1950, quando Getúlio Vargas governava o Brasil pela segunda vez, embora agora legitimado por uma eleição direta com voto secreto, havia no país basicamente dois modelos de desenvolvimento econômico: de um lado havia os nacional-desenvolvimentistas, refratários ao invetimento do capital privado internacional, sobretudo em setores considerados estratégicos, como energia e transporte. Do outro, os liberais que defendiam uma participação importante de investidores privados internacionais na infra-estrutura do país e em setores estratégicos. Dito assim, desse modo, é um tanto simplista, eu sei. Há algumas filigranas nessa diferenciação, importantes. Contudo, para o que eu quero demonstrar, isso já é suficiente.

Durante o acalorado debate da década de 50, os esquerdistas tacharam nos liberais a pecha de "entreguistas", acusação leviana e estúpida, mas que pegou. Eles, por sua vez, se autoproclamavam nacionalistas, pois diziam, estavam defendendo as riquezas e a soberania do país, enquanto os outros queria entregar essa soberania e essas riquezas nas mãos do "espoliador capital financeiro internacional".

Em 2009, o Governo Lula reedita essas acusações com novos termos, mas que na essência é a mesma do início do Segundo Governo Vargas. Hoje os "entreguistas" são chamados de privatistas. O governo acusa a oposição de querer vender o patrimônio brasileiro, tirando do país e de seu povo as riquezas e a soberania. Como no passado, os que defendem uma maior participação do Estado se autoproclamam de nacionalistas ou de estatistas.

Abaixo, leiam com muita atenção um editorial do jornal O Globo, sobre o tema. É revelador.

Do blog do Noblat
Deu em O Globo

O Deus Estado (Editorial)

Por esperteza político-eleitoral, ideologia ou ambos — o mais provável —, há uma febre de “estadolatria” em Brasília. Talvez porque tenha funcionado no segundo turno de 2006 o estratagema de tachar tucanos de “privatistas”, a defesa do Estado passou a aparecer com mais frequência em discursos do presidente Lula e da candidata Dilma Rousseff.

Explora-se com alguma competência a idéia tosca, ainda existente na população, de que o “Estado é do povo”, assim como suas empresas. Confunde-se o “estatal” com o “coletivo”, como se não existisse a expropriação privada do bem público pelo patrimonialismo, exercido de maneiras mais sutis ou escancaradas, como nas mordomias do Executivo e o nepotismo no Legislativo e Judiciário.

Com responsabilidade de governante, é verdade que Lula não tem brincado em serviço: embora não deva discordar que os opositores do novo modelo de exploração do pré-sal, de figurino estatizante, sejam adjetivados de “entreguistas”, apressou-se a permitir que a participação de investidores estrangeiros dobre no capital do Banco do Brasil, pois se trata da única forma de abrir espaços para ampliar a capitalização do BB.

Em recente entrevista à “Folha de S.Paulo”, a ministra Dilma tratou de criticar a idéia do “Estado mínimo”, pressupondo que haja alguém, no mundo de hoje, que ainda defenda um modelo de laissez-faire com tinturas do século XIX. A preocupação que se tem é com o “Estado máximo”, com o qual autoridades de primeiro escalão do governo parecem sonhar.

Em outra entrevista, esta de Lula ao jornal “Valor”, o presidente anunciou o envio ao Congresso da “Consolidação das Leis Sociais” — não bastasse o engessamento do mercado de trabalho, em prejuízo dos trabalhadores, causado por uma outra “consolidação”, a CLT getulista.

Mais uma vez: pode ser tática eleitoral — para atiçar a oposição a se colocar contra o “povo” — e também ideologia. Trata-se de outro princípio da “estadolatria”, pelo qual toda “bondade” precisa ser transformada em lei, para que o Estado imponha seu cumprimento. Uma ilusão, como demonstra a CLT, principal causa de a metade dos trabalhadores sobreviver na informalidade.

Mas não é só discursos. Há efetivos avanços do Estado sobre espaços da sociedade. Um exemplo é a tentativa da Anvisa de proibir e regular anúncios de alimentos e remédios, embora a própria Advocacia Geral da União diga ser esta função exclusiva do Congresso. Está claro que os estatistas querem tutelar uma sociedade que consideram imatura e despreparada para cuidar da própria sobrevivência.



Nenhum comentário: