sábado, 27 de setembro de 2014

O Horror Atômico





NOITE NUCLEAR

“Por que já é noite? Por que nossa casa caiu? O que aconteceu?”. A Sra. Nakamura não tinha respostas para as insistentes perguntas de Myeko, sua filha de cinco anos. Naquela hora da manhã de 06 de agosto de 1945, os sobreviventes de Hiroxima não sabiam o que os atingira e apenas começavam a vislumbrar a extensão do desastre. Nakamura acabara de retirar seus filhos pequenos dos escombros e retornara ao interior da casa destruída para encontrar agasalhos. A manhã de verão deveria ser quente, mas fazia um frio inexplicável e a cidade estava coberta por uma névoa úmida e escura. Ninguém ouvira o ruído característico das esquadrilhas de bombardeiros B-29, mas tudo era um monte de ruínas, até onde a vista alcançava. Nas horas seguintes, em meio ao caos, os sobreviventes descobririam que eram as testemunhas da inauguração da era nuclear.

O que aconteceu em Hiroxima na manhã inaugural logo se tornou objeto de acesas discussões políticas e éticas. Contudo, durante quase um ano, s voz das vítimas permaneceu inaudível. Em maio de 1946, a revista The New Yorker enviou o jornalista John Hersey ao Japão ocupado com a missão de entrevistar sobreviventes e oferecer-lhes a palavra. Ele colheu material durante um mês. A edição da revista de 31 de agosto foi inteiramente dedicada à longa reportagem com a narrativa das experiências de seis pessoas que estavam na cidade na hora da explosão. Hersey escreveu um texto comedido, econômico, sóbrio. Não usou nenhum artifício ou enfeite: o relato das horas e dias seguintes das vítimas não precisava de mais nada. Hiroxima significa a destruição total. O fim de uma cidade, de um mundo e de uma época.

OS SIGNIFICADOS DE HIROXIMA

Hiroxima ardia, consumida pelo fogo e contaminada pela radiação, quando aviões americanos lançaram sobre as cidades japonesas um curto panfleto aterrador. Sua principal passagem dizia:


Possuímos o explosivo mais destruidor já idealizado pela humanidade. Uma única de nossas recém-desenvolvidas bombas atômicas é, na verdade, o equivalente em poder explosivo ao que podem transportar dois mil de nossos gigantescos B-29 numa só missão. Esse fato terrível deve ser ponderado por vocês, e nós asseguraremos, solenemente, que ele é cruelmente preciso. Começamos a usar tal arma contra a sua terra natal. Se vocês ainda têm alguma dúvida, investiguem o que aconteceu a Hiroxima quando apenas uma bomba atômica caiu sobre a cidade.

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“Litle Boy” caiu sobre Hiroxima a 6 de agosto de 1945. “Fat Man” caiu sobre Nagasaki três dias depois. No instante das detonações, o clarão da explosão emitiu uma radiação de calor que se deslocou à velocidade da luz. As pessoas que se encontravam em lugares abertos foram extensivamente queimadas: a pele carbonizou-se em tons marrom-escuro ou preto e elas pereceram depois de minutos ou horas. A radiação térmica se deslocou em linha reta, como a luz, de modo que as áreas queimadas corresponderam à exposição direta a ela. Indivíduos que estavam no interior de edifícios e casas experimentaram queimaduras nas partes expostas através das janelas. Um homem que escrevia diante de uma janela teve as mãos completamente carbonizadas, mas, devido ao ângulo de entrada da radiação, seu pescoço e sua face sofreram apenas queimaduras superficiais.

Sob os cogumelos atômicos, morreram no dia dos bombardeios algo em torno de 150 mil pessoas. Quatro meses depois, como efeito da radiação e das queimaduras, o saldo de mortes havia dobrado. O panfleto lançado sobre as cidades japonesas incentivava a população a pedir ao imperador que encerrasse a guerra: “Nosso presidente delineou para vocês as 13 consequências de uma rendição honrosa.” Os representantes do Japão assinaram, a 2 de setembro, a bordo do USS Missouri, o Instrumento de Rendição. “Nós, por este, proclamamos a rendição incondicional aos Poderes Aliados do Quartel-General Imperial japonês e de todas as forças armadas japonesas e das forças armadas sob controle japonês, onde quer que estejam situadas.”

Um símbolo da rendição incondicional: eis o primeiro significado de Hiroxima.

Os Estados Unidos conduziram o bombardeio estratégico do Japão durante três anos. Nos meses derradeiros, o uso de bombas incendiárias produziu destruições calamitosas. Nas quase setenta cidades atingidas, o total de mortos provavelmente ultrapassou as cifras combinadas de Hiroxima e Nagasaki. A campanha aérea contra Tóquio, em março de 1945, parece ter convencido o imperador Hirohito a buscar negociações de paz. Mas a resistência psicológica do Japão só foi quebrada em definitivo com o emprego da bomba atômica.

A diferença de quantidade, na escala verificada nas duas cidades japonesas, teve o condão de mudar todo o cenário das relações internacionais. Hiroxima marca o momento em que as grandes potências (isto é, as potências nucleares) se separam radicalmente das demais pela posse de uma capacidade de dissuasão quase absoluta. Na história militar anterior, nenhuma potência era realmente invulnerável e a guerra se apresentava como alternativa viável para a solução de divergências cruciais: a continuação da política por outros meios, na célebre definição de Carl von Clausewitz. O poder nuclear modificou os parâmetros do cálculo estratégico. A agressão contra detentores da nova arma se tornou uma hipótese aterradora. O confronto militar direto entre potências nucleares se converteu em algo próximo de uma impossibilidade. A guerra (nuclear) despontou como o espectro da abolição da pólis – e, portanto, da política.
Fonte: O Mundo em Desordem. MAGNOLI, D. & BARBOSA, E. S. Páginas: 421, 425,427.

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