Quando, em outubro deste ano, os eleitores brasileiros forem às urnas
estarão celebrando a oitava eleição consecutiva e direta para Presidente
da República. Os mais jovens talvez não saibam, mas nos 125 anos de
República no Brasil, nosso país passou por duas famigeradas ditaduras: a
do Estado Novo (1937-1945), cujo ditador foi Getúlio Vargas; e a do
Regime Militar (1964 - 1985). Nesses dois períodos foi retirado dos
brasileiros o direito de eleger pelo voto direto o Presidente da
República.
Quando em 15 de novembro de 1889 a quartelada
comandada pelo marechal Deodoro da Fonseca destronou o imperador D Pedro
II e mandou a família imperial para a Europa, o novo regime político
que se implantava pela força não teve qualquer apoio no seio do povo,
que assistiu, usando a feliz expressão do jornalista Aristides Lobo,
bestializado o fim da monarquia. No mesmo sentido, ensina-nos Boris
Fausto, outro famoso historiador, que "como episódio, a passagem do Império para República foi
quase um passeio", aludindo certamente ao fato de que não houve comoção
popular nem crises de instabilidade causadas pelo Golpe do Exército.
Toda
essa calmaria, entretanto, logo cederia lugar a um período de
instabilidade política, como revoltas militares, crise econômica,
revoltas no campo e nas cidades. Se a Proclamação da República em si
não sacudiu o país, os primeiros 15 anos do regime foram marcados por
sérias crises políticas, econômicas e sociais.
Em primeiro lugar é
fundamental que a gente lembre que os grupos que defendiam o regime
republicano não eram homogêneos nem tinham a mesma visão sobre a
organização do novo regime. Grosso modo havia duas visões opostas: a dos
militares - e aqui falo do exército - e a dos grandes proprietários,
sobretudo dos cafeicultores. Os primeiros defendiam um modelo
republicano baseado nas ideias do positivismo e os outros tinham uma visão mais liberal, próxima da república norte-americana, conhecida como federalismo.
Estou,
meus caros, a simplificar as diferenças, haja visto que mesmo entre
os militares havia divergências e entre os cafeicultores também.
Contudo, numa visão abrangente, as ideias positivistas e liberais, de
caráter federalista, confrontavam-se no debate sobre o modelo de
República que deveria ser implantado no Brasil. Este post tem como
objetivo tratar desses dois projetos de república.
Os positivistas
Boris
Fausto nos ensina que apesar do positivismo estar ligado aos oficiais
do exército brasileiro, havia civis, como os republicanos gaúchos, que
defendiam o projeto positivista . Por outro lado, os dois primeiros
presidentes do Brasil, que foram militares, o Marechal Deodoro e o
Marechal Floriano Peixoto não eram exatamente entusiastas do
positivismo. O primeiro imaginava que com a República o exército
passaria a ter mais prestígio e reconhecimento do que tinha com a
Monarquia, assumindo um papel importante nos destinos do país. O
segundo, embora não fosse positivista, estava cercado por jovens
oficiais da Escola Militar que defendiam com ardor as idéias do
positivismo. Esses jovens oficiais concebiam que a missão dos militares
era dar um sentido aos rumos do país. A República deveria garantir a
ordem e o progresso do Brasil. Eles entendiam como progresso a
"modernização da sociedade através da ampliação dos conhecimentos
técnicos, do crescimento da indústria e da expansão das comunicações"¹
Em que pese as diferenças entre o "grupo" de Deodoro e o "grupo" de Floriano, o fato de pertencerem ao exército lhes dava um sentido de aproximação. De forma geral acreditavam num Poder Executivo forte, numa inevitável ditadura. militar e viam o exército como uma instituição incorruptível, defensora por princípio dos interesses nacionais, numa palavra: patriótica. Desconfiavam da ideia liberal de conceder autonomia às províncias, primeiro porque enxergavam nesse fato os interesses particulares dos grandes proprietários e depois porque imaginavam que a autonomia das províncias traria de volta o risco da fragmentação territorial do país.²
Os Grandes Proprietários
O
historiador Marco Antônio Vila nos revela que em agosto de 1889,
portanto três meses antes da proclamação da república no Brasil, a
eleição para a câmara elegeu apenas dois representantes do Partido
Republicano. Os demais eram dos partidos que sustentavam a Monarquia: o
Conservador e o Liberal. "Como", pergunta Vila, "em três meses, todo o
apoio político que sustentava o imperador se esvaneceu"? Uma das
explicações, segundo o professor da UFSCar, está na ideia de que com a
república haveria autonomia das províncias, dando aos grandes
proprietários um poder que não conseguiam desfrutar por causa do regime
centralizador da monarquia. Isto é, foi sobretudo por conta da
possibilidade de conquistarem mais poder nos seus respectivos estados
que muitos daqueles que apoiavam o imperador debandaram-se para a causa
republicana.
Havia, portanto, entre os defensores da República,
dois modelos opostos: o que defendia um governo mais centralizado e que
por isso não via com bons olhos a ideia do federalismo; e aquele que
defendia uma importante descentralização política, dando às províncias a
autonomia para contrair empréstimos, criar impostos, criar leis, etc.
A luta entre essas duas visões de país vai marcar a história do início da República no Brasil.
*Esse texto foi escrito originalmente em março de 2010. Fiz pequenas correções.
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