O CANGAÇO MARCOU O SERTÃO NORDESTINO POR MEIO SÉCULO.
Há
75 anos, chegava ao fim o bando de Lampião, o mais célebre dos cangaceiros,
bandoleiros que saqueavam o sertão na República Velha.
Na escadaria da Igreja de Piranhas (AL), a polícia exibe seu arranjo macabro: as cabeças de lampião (ao centro, embaixo), de Maria Bonita e do restante do bando. |
Em 28 de julho de 1938, uma
sanguinária madrugada entrava para a história. Naquele dia, um grupo de
policiais pegou de “assalto” Lampião e seu bando em Sergipe, matando o rei do
cangaço, sua mulher, Maria Bonita, e oito homens e uma mulher de seu bando.
Todos foram decapitados e suas cabeças foram exibidas como prêmio nas
escadarias da igreja de Piranhas (AL)
A palavra cangaceiro é uma
derivação de “canga”, estrutura de madeira que se encaixa nas “costas” de bois
de carga para que os animais façam a tração de carroças. Os cangaceiros levavam
seus pertences nos ombros em suas andanças, daí o nome. O cangaço é fruto da miséria e do abandono
social que dominavam as regiões mais remotas do país. Já no período das
Regências e do II Império, esse quadro provocara revoltas como a Cabanagem, no
Pará (1835-1840),e a Balaiada, no Maranhão (1838-1841). Também resulta do
coronelismo, regime baseado no poder político e econômico dos latifundiários,
característica da República Velha (1889-1930).
Banditismo Social
O processo de transformação de
cidadãos em “foras-da-lei”, causado pela pobreza, é chamado de banditismo
social. São pessoas que pegam em armas por não encontrar outros meios de
inserção social ou de sobrevivência.
Os primeiros cangaceiros
trabalhavam como jagunços matadores para os coronéis. Os primeiros grupos de
bandoleiros aparecem no final do século XIX. Diante da miséria e dos abusos dos
coronéis, surgem quadrilhas que vagam pelo sertão, assaltam sertanejos
isolados, vilas e fazendas.
Histórias sobre os crimes
dos cangaceiros passam a fazer parte da cultura popular, revestidas da aura de
aventuras, e teriam fascinado Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Nascido
em 1897, no sertão de Pernambuco, ele cresceu ouvindo relatos sobre o
cangaceiro Antônio Silvino. Após assumir a liderança do grupo do cangaceiro
Sinhô Pereira, Lampião passou a ocupar um lugar de destaque na história do
cangaço, que estava vazio desde a prisão de Antônio Silvino, em 1914.
Crueldade mítica.
Os jornais da época, com
base em depoimentos de policiais sobre o bando, atribuem a Lampião atos e assassinatos de extrema crueldade. Diferentemente
de outros cangaceiros famosos, mais arredios à publicidade, Lampião
preocupou-se bastante em construir uma imagem pública e passou a conceder
entrevistas e permitir fotos. Sua fama chegou ao ápice em 1926, quando foi
incorporado ao Batalhão Patriótico, uma milícia do governo. O objetivo dos
homens do batalhão era combater a Coluna Prestes (1925-1927), movimento
liderado por militares, principalmente tenentes, que percorreu o país propondo
reformas políticas e sociais contra a pobreza, durante a República Velha. Ao
tomarem a decisão de pertencer à milícia, os homens de Lampião chegaram à
Juazeiro do Norte (CE) como salvadores da pátria, aclamados pela população.
Como recompensa pela missão, Lampião e seu bando seriam anistiados. Porém, essa
promessa nunca foi cumprida, e os cangaceiros não entraram em confronto com a
Coluna.
Lampião atua com seus
cangaceiros principalmente no sertão de Sergipe, Pernambuco e Bahia, mas há
registros de assaltos também na área que vai do estado de Alagoas ao Ceará. Ele
teria conhecido Maria Bonita em 1929. Ela deixa o marido, integra-se ao bando e
acaba por também se tornar famosa.¹ Em 1930, o bebê que seria o primeiro filho
de Lampião com Maria Bonita nasce morto. Dois anos depois, nasce Expedita, que
o casal entrega a um coiteiro – como eram chamados os comparsas dos cangaceiros
– para que ele a criasse.
Emboscada final
O cangaço chega ao fim
durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que moderniza o país e reforça
o aparato policial sob controle do Estado.
Lampião e seus cangaceiros
morrem em uma emboscada noturna na fazenda de Angico, em Sergipe. Um coiteiro
torturado pela polícia teria denunciado o esconderijo de Lampião.
Aproximadamente 50 soldados da Polícia Militar teriam participado da ação,
partindo de Piranhas (AL) para encurralar o cangaceiro e o seu bando. Pegos de
surpresa, os comandados de Lampião não teriam conseguido reagir diante do fogo
cruzado de fuzis e metralhadoras.
Os cadáveres decapitados
foram exibidos como troféus da vitória da ordem e das instituições – de forma
semelhante ao ocorrido com Zumbi, do Quilombo dos Palmares, e Tiradentes.
Durante mais de 30 anos, a cabeça de Maria Bonita e a de Lampião permaneceram
expostas no Museu da Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador, até ser
definitivamente sepultada, em fevereiro de 1969.
Fonte: GE ATUALIDADES 2013.
I semestre. P. 108 e 109.
1 - Ficaram famosos os versos de cordel de Octacílio Batista, que seguem abaixo:
Virgulino Ferreira, o Lampião
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão.
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão.
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor