sexta-feira, 3 de abril de 2009

O discurso e o AI5

O simplismo é sempre um péssimo conselheiro nas explicações de fatos históricos. Não vai demorar muito para que sites, jornais, professores e analistas atribuam ao discurso do deputado Márcio Moreira Alves e a decisão da Câmara dos deputados de não conceder ao executivo licença para processá-lo, as razões para a decretação do AI5. Em história, dificilmente as explicações são tão simples. Quem escolhe esse caminho, pode até ser simpático, gente boa, mas será sempre simplório.

Abaixo, um comentário do jornalista Reinaldo Azevedo, que subscrevo.

Só um emblema

Atribuir a decretação do AI-5, que instituiu a ditadura pra valer no Brasil, à decisão da Câmara de não cassar o mandato de Márcio Moreira Alves — e, pois, originalmente, a seu discurso — é certamente um exagero. Melhor ainda: trata-se de superestimar um fato que foi só o emblema de um tempo. O ambiente de radicalização era tal, de ambos os lados — tanto da extrema esquerda, que queria botar fogo no circo, quanto da ala dura dos militares, que queria o chamado “golpe dentro do golpe” —, que a prudência e o bom senso recomendavam cuidado com quem, afinal, detinha as armas. Num estado democrático e de direito, elas estão subordinadas às urnas. Numa ditadura, a quem tem a voz de comando.

Dado o contexto, o discurso de Moreira Alves foi de uma impressionante irresponsabilidade, misturando em doses iguais radicalismo e tolice. Ao mesmo tempo em que fazia uma provocação de natureza moral às Forças Armadas, propunha um protesto inútil e impossível de ser posto em prática. Era só retórica. As ditaduras não costumam precisar de motivos para fazer isso ou aquilo. Aquelas que pretendem manter um arremedo de legalidade, como foi o caso da brasileira, correm atrás de um bom pretexto ao menos. E Márcio Moreira Alves o entregou de bandeja à ala dura do regime.

À diferença do que se diz por aí, a decisão de extremistas de esquerda de optar pela luta armada já tinha sido tomada, e havia, de fato, atentados terroristas no país — que pretendiam passar por atos de resistência ao regime. O presidente Costa e Silva já vinha sendo pressionado para fechar o Congresso. O que o discurso de Alves conseguiu foi unir os militares, ainda que por força de silenciar e tirar os argumentos dos moderados. Pode-se perguntar: “Não fosse a sua fala, teriam arranjado outro pretexto?” Creio que sim. Mas isso não torna aquela fala irrelevante — tanto é que ela entrou para a história como exemplo do que não se deve fazer.

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