segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O CANGAÇO MARCOU O SERTÃO NORDESTINO POR MEIO SÉCULO.
Há 75 anos, chegava ao fim o bando de Lampião, o mais célebre dos cangaceiros, bandoleiros que saqueavam o sertão na República Velha.
Na escadaria da Igreja de Piranhas (AL), a polícia exibe seu arranjo macabro: as cabeças de lampião (ao centro, embaixo), de Maria Bonita e do restante do bando.
Em 28 de julho de 1938, uma sanguinária madrugada entrava para a história. Naquele dia, um grupo de policiais pegou de “assalto” Lampião e seu bando em Sergipe, matando o rei do cangaço, sua mulher, Maria Bonita, e oito homens e uma mulher de seu bando. Todos foram decapitados e suas cabeças foram exibidas como prêmio nas escadarias da igreja de Piranhas (AL)
A palavra cangaceiro é uma derivação de “canga”, estrutura de madeira que se encaixa nas “costas” de bois de carga para que os animais façam a tração de carroças. Os cangaceiros levavam seus pertences nos ombros em suas andanças, daí o nome. O cangaço é fruto da miséria e do abandono social que dominavam as regiões mais remotas do país. Já no período das Regências e do II Império, esse quadro provocara revoltas como a Cabanagem, no Pará (1835-1840),e a Balaiada, no Maranhão (1838-1841). Também resulta do coronelismo, regime baseado no poder político e econômico dos latifundiários, característica da República Velha (1889-1930).
Banditismo Social
O processo de transformação de cidadãos em “foras-da-lei”, causado pela pobreza, é chamado de banditismo social. São pessoas que pegam em armas por não encontrar outros meios de inserção social ou de sobrevivência.
Os primeiros cangaceiros trabalhavam como jagunços matadores para os coronéis. Os primeiros grupos de bandoleiros aparecem no final do século XIX. Diante da miséria e dos abusos dos coronéis, surgem quadrilhas que vagam pelo sertão, assaltam sertanejos isolados, vilas e fazendas.
Histórias sobre os crimes dos cangaceiros passam a fazer parte da cultura popular, revestidas da aura de aventuras, e teriam fascinado Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Nascido em 1897, no sertão de Pernambuco, ele cresceu ouvindo relatos sobre o cangaceiro Antônio Silvino. Após assumir a liderança do grupo do cangaceiro Sinhô Pereira, Lampião passou a ocupar um lugar de destaque na história do cangaço, que estava vazio desde a prisão de Antônio Silvino, em 1914.
Crueldade mítica.

Os jornais da época, com base em depoimentos de policiais sobre o bando, atribuem a Lampião atos e assassinatos de extrema crueldade. Diferentemente de outros cangaceiros famosos, mais arredios à publicidade, Lampião preocupou-se bastante em construir uma imagem pública e passou a conceder entrevistas e permitir fotos. Sua fama chegou ao ápice em 1926, quando foi incorporado ao Batalhão Patriótico, uma milícia do governo. O objetivo dos homens do batalhão era combater a Coluna Prestes (1925-1927), movimento liderado por militares, principalmente tenentes, que percorreu o país propondo reformas políticas e sociais contra a pobreza, durante a República Velha. Ao tomarem a decisão de pertencer à milícia, os homens de Lampião chegaram à Juazeiro do Norte (CE) como salvadores da pátria, aclamados pela população. Como recompensa pela missão, Lampião e seu bando seriam anistiados. Porém, essa promessa nunca foi cumprida, e os cangaceiros não entraram em confronto com a Coluna.
Lampião atua com seus cangaceiros principalmente no sertão de Sergipe, Pernambuco e Bahia, mas há registros de assaltos também na área que vai do estado de Alagoas ao Ceará. Ele teria conhecido Maria Bonita em 1929. Ela deixa o marido, integra-se ao bando e acaba por também se tornar famosa.¹ Em 1930, o bebê que seria o primeiro filho de Lampião com Maria Bonita nasce morto. Dois anos depois, nasce Expedita, que o casal entrega a um coiteiro – como eram chamados os comparsas dos cangaceiros – para que ele a criasse.
Emboscada final
O cangaço chega ao fim durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que moderniza o país e reforça o aparato policial sob controle do Estado.
Lampião e seus cangaceiros morrem em uma emboscada noturna na fazenda de Angico, em Sergipe. Um coiteiro torturado pela polícia teria denunciado o esconderijo de Lampião. Aproximadamente 50 soldados da Polícia Militar teriam participado da ação, partindo de Piranhas (AL) para encurralar o cangaceiro e o seu bando. Pegos de surpresa, os comandados de Lampião não teriam conseguido reagir diante do fogo cruzado de fuzis e metralhadoras.
Os cadáveres decapitados foram exibidos como troféus da vitória da ordem e das instituições – de forma semelhante ao ocorrido com Zumbi, do Quilombo dos Palmares, e Tiradentes. Durante mais de 30 anos, a cabeça de Maria Bonita e a de Lampião permaneceram expostas no Museu da Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador, até ser definitivamente sepultada, em fevereiro de 1969.
Fonte: GE ATUALIDADES 2013. I semestre. P. 108 e 109.
1 - Ficaram famosos os versos de cordel de Octacílio Batista, que seguem abaixo:
Virgulino Ferreira, o Lampião
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão.
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

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