domingo, 7 de março de 2010

Por que o socialismo morreu...

A ganância do bem.

"HOJE EM dia, quando os apressados falam do fim do capitalismo, eu, na minha condição de "especialista em ideias gerais" (Otto Lara Resende), lembro que isso dificilmente acontecerá pelo simples fato de que o capitalismo, ao contrário do socialismo, não foi inventado por ninguém.

Não praticaria a blasfêmia de afirmar que foi criado por Deus, conquanto há quem garanta que o foi pelo Diabo. Como sou pouco afeito a questões teológicas, prefiro acreditar que ele nasceu espontaneamente do processo econômico, ao longo do tempo.

Costumo dizer que o capitalismo é quase como um fenômeno natural e, de fato, parece-me ter da natureza a vitalidade, a amoralidade e o esbanjamento perdulário, dizendo melhor: cria sem cessar e, com a mesma naturalidade, destrói o que criou.

Por exemplo, a natureza faz nascer milhões de seres e, de repente, inunda tudo e mata quase todos. Mas, ao fazê-lo, gera outras vidas. E parece dizer: "Que se danem", como faz e diz o capitalismo, mantidas as devidas proporções.

Já o socialismo foi inventado pelos homens, para corrigir o capitalismo, para introduzir nele a justiça. Os inventores do socialismo, em face da ferocidade do capitalismo nascente, em meados do século 19, sonharam com uma sociedade em que todos teriam os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Entendiam que a chamada democracia burguesa era, na verdade, uma ditadura da burguesia e que deveria ser substituída pela ditadura do proletariado.

Seria esta uma ditadura justa porque exercida, não pelos que usufruem do trabalho alheio e, sim, pelos que trabalham e produzem a riqueza da sociedade. O resultado final dessa revolução seria a criação da sociedade sem classes. É verdade que ninguém nunca soube o que seria essa sociedade e nem Karl Marx, o seu inventor, chegou a defini-la.

Como se sabe, na segunda década do século 20, a revolução socialista deixou de ser mero sonho para se tornar realidade, assustando os capitalistas e levando-os a atender muitas das reivindicações dos trabalhadores. Quatro décadas depois, boa parte da Europa e da Ásia vivia sob regime socialista. No entanto, antes que o século terminasse, o socialismo real desmoronou, para o espanto, sobretudo, das pessoas que nele viam o futuro da humanidade.

Ao contrário do que muitos temiam, não foram os exércitos capitalistas que o derrotaram, não foram foguetes norte-americanos com bombas nucleares que deram fim ao poder do Kremlin. Não, na verdade, ele foi liquidado por uma espécie de colapso interno fulminante, que não foi militar, mas econômico. O socialismo perdeu a disputa econômica com o capitalismo.

Em visita à Ucrânia, em 1972, ouvi um dirigente do partido comunista ucraniano dizer que tudo o que aquela república soviética produzia se devia à ação do partido, o verdadeiro motor de sua economia. Pois essa afirmação talvez explique o fracasso do socialismo: como poderia meia dúzia de burocratas fazer funcionar a economia de um país?

E explica também por que o capitalismo não morre e por que não foi preciso inventá-lo: vive da ambição de cada um, da iniciativa de cada pessoa que quer melhorar de vida, produzir, vender, comprar, revender, lucrar, enriquecer, sem que ninguém a obrigue a isso, muito pelo contrário.

Em lugar de um comitê dirigente que determine o que deve ser feito, no capitalismo milhões fazem o que conseguem fazer, atendendo às necessidades do possível comprador, no afã de ganhar dinheiro. Isso explica a vitalidade do regime e, ao mesmo tempo, muitas vezes, o vale-tudo para alcançar o lucro máximo.

O planejamento socialista, se evitava o desperdício, inibia a produção, o que resultava em outro tipo de desperdício, sendo o maior de todos, o dos talentos empreendedores que não encontravam campo para se realizar. Uma visão equivocada do capitalismo ignorava o papel fundamental do empresário, cujo investimento em ideias e dinheiro gera empregos e riqueza.

Se o socialismo nasceu do que há de melhor no ser humano -o senso de justiça e a fraternidade-, o capitalismo, se não surgiu do que há de pior em nós, é, não obstante, a cada momento, movido por ele, ou seja, pela ganância sem limites e sem escrúpulos. No entanto, essa ganância é que o faz gerador de riqueza.

Admitindo-se como verdade que o capitalismo não morrerá -mesmo porque as crises, em vez de matá-lo, o renovam-, a solução é encontrar um meio de torná-lo bom, incutindo-lhe a "ganância do bem". Isso, bem entendido, se o Diabo deixar. "

Ferreira Gular, poeta, Folha de São Paulo, 11 de janeiro de 2009.

8 comentários:

Fernanda Gabriela disse...

Concordo plenamente. Essa visão de que o Capitalismo não foi inventado por ninguém e portanto é naturalmente o que deve ser seguido. Abriu ainda mais a minha mente com relação a idéia de que o Capitalismo é melhor do que qualquer sistema político que tentaram implantar. Já ouvi alguns professores dizerem que poderia haver um sistema melhor. Defendem com unhas e dentes que todos deveriamos ser iguais.

Igualdade entre as pessoas não existe e nem há como existir. Há uma frase que as pessoas que seguem o socialismo não se enquadram de forma alguma: "Seja a mudança que você quer ver" Não vejo pessoas que defendem o socialismo sem uma camisa de marca no corpo ou um tênis de "playboy" calçado em seus pés. Se é tão bom como dizem, porque não suprem suas necessidades junto ao que o governo oferece? Hospitais, transporte, escolas. Pelo contrário, querem de seu empregador um bom plano de saúde, e salários mais altos para comprar carros e colocar seus filhos em escolas PARTICULARES.

A verdade é que o proletariado reclama da burguesia, mas no fundo lutam para chegar a ser como um burguês. Poucos conseguem, outros não chegam nem perto. É uma questão de base para a pirâmide social... se não existissem pobres, não existiriam ricos. Não existiria o que move a sociedade. Todos ficariam estagnados. Sem motivação para o futuro melhor, pois o melhor não existiria.
Já imaginou viver sem um objetivo de vida? MOTIVAÇÃO, preciso de uma para viver.

Como dizia Lavoisier: "Na natureza nada se cria nada se perde, tudo se transforma." Na sociedade também.

(Me desculpe pela ignorância da minha pouca idade.É apenas o que penso.) :)

Coêlho Oliveira da Silva, Fernanda Gabriela.

Zé Costa disse...

Obrigado pela participação Fernanda! Quero apenas fazer uma pequena ressalva ao seu comentário. O Capitalismo não é um sistema político, mas econômico. Por isso é possível que um país seja uma ditadura e, mesmo assim, adote práticas capitalistas, o exemplo mais notório é a China. Todavia, são os países liberais, onde impera o Estado de Direito e a DEMOCRACIA representativa - os socialistas chamariam de democracia burguesa (hahahaha) - onde o capitalismo mais se desenvolve e gera riqueza. Enfim, onde impera as liberdades individuais o capitalismo produz riqueza e diminui a pobreza.

um abraço.

Anônimo disse...

Não acredito que passei os meus 16 anos de vida sem jamais ter lido algo parecido. Incrível como uma lógica tão simples dá margem a um texto tão abrangente e bem formulado. Evidentemente, apenas um poeta seria capaz de se exprimir de tal forma - clara e lírica.

Unknown disse...

Professor, voltei aqui por dois motivos. Um era pra reler uma matéria sobre Segunda Guerra que no meu tempo de terceiro ano li neste mesmo blog (complementaria a minha leitura do momento, um livro que irias adorar: História Secreta da Última Guerra, excitantemente encantador). O outro motivo era pra saber se o Estevão(creio que seja esse o nome) já veio a nascer! Se sim, meus parabéns! :D

Enfim, deparei-me com esse post e resolvi ler (já que ainda estou aprendendo, e o farei por toda a vida). Ao final do texto, fiquei com um pouco de "menos culpa" e algumas dúvidas. Uma delas, e eu gostaria de saber se podes me responder, é: que diabos seria a ganância do bem e qual o meio de aclancá-la? Parece-me impossível.

Obrigada! (da sua ex-aluna que até agora não viu História na faculdade, Cecília)

Zé Costa disse...

Que agradável surpresa, Cecília!

Quem nasceu no dia 09 de março foi Timóteo, e não Estêvão.

Quanto à sua pergunta, lembre-se que o autor do artigo é um poeta, e como tal, tem o talento de dar às palavras um significado que vai além da denotação. A ganância do bem é uma matáfora para dizer que a ganância é a essência do capitalismo - discordo disso - mas que é essa ganância que torna o sistema produtivo e eficiente.

Fico muito feliz que você continua com suas leituras. Acredite, Cecília, ler sempre é uma NECESSIDADE BÁSICA de qualquer estudante que está em formação intelectual. Meus Parabéns!

Sonho que daqui a alguns anos eu esteja a aprender com você!

Volte sempre que puder ao blog. Será sempre bem-vinda!

VINICIUS LARA disse...

Zé Paulo,
como está brasília, e o La Salle??? abraços a todos...
escrevo neste comentário para uma correção: o /Gular/ do poeta Ferreira Gullar se escreve com dois "Ls" e não um só, como está nos créditos do seu post.

Um abraço,
Vinicius Lara

Unknown disse...

http://www.youtube.com/watch?v=30_i1D2RTlo&feature=player_embedded

Unknown disse...

Mt show