quarta-feira, 22 de maio de 2013

A morte de Lampião e de seu bando.



O CANGAÇO MARCOU O SERTÃO NORDESTINO POR MEIO SÉCULO.

Há 75 anos, chegava ao fim o bando de Lampião, o mais célebre dos cangaceiros, bandoleiros que saqueavam o sertão na República Velha.



Na escadaria da Igreja de Piranhas (AL), a polícia exibe seu arranjo macabro: as cabeças de lampião (ao centro, embaixo), de Maria Bonita e do restante do bando.



Em 28 de julho de 1938, uma sanguinária madrugada entrava para a história. Naquele dia, um grupo de policiais pegou de “assalto” Lampião e seu bando em Sergipe, matando o rei do cangaço, sua mulher, Maria Bonita, e oito homens e uma mulher de seu bando. Todos foram decapitados e suas cabeças foram exibidas como prêmio nas escadarias da igreja de Piranhas (AL)

A palavra cangaceiro é uma derivação de “canga”, estrutura de madeira que se encaixa nas “costas” de bois de carga para que os animais façam a tração de carroças. Os cangaceiros levavam seus pertences nos ombros em suas andanças, daí o nome. O cangaço é fruto da miséria e do abandono social que dominavam as regiões mais remotas do país. Já no período das Regências e do II Império, esse quadro provocara revoltas como a Cabanagem, no Pará (1835-1840),e a Balaiada, no Maranhão (1838-1841). Também resulta do coronelismo, regime baseado no poder político e econômico dos latifundiários, característica da República Velha (1889-1930).

Banditismo Social

O processo de transformação de cidadãos em “foras-da-lei”, causado pela pobreza, é chamado de banditismo social. São pessoas que pegam em armas por não encontrar outros meios de inserção social ou de sobrevivência.

Os primeiros cangaceiros trabalhavam como jagunços matadores para os coronéis. Os primeiros grupos de bandoleiros aparecem no final do século XIX. Diante da miséria e dos abusos dos coronéis, surgem quadrilhas que vagam pelo sertão, assaltam sertanejos isolados, vilas e fazendas.

Histórias sobre os crimes dos cangaceiros passam a fazer parte da cultura popular, revestidas da aura de aventuras, e teriam fascinado Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Nascido em 1897, no sertão de Pernambuco, ele cresceu ouvindo relatos sobre o cangaceiro Antônio Silvino. Após assumir a liderança do grupo do cangaceiro Sinhô Pereira, Lampião passou a ocupar um lugar de destaque na história do cangaço, que estava vazio desde a prisão de Antônio Silvino, em 1914.

Crueldade mítica.

Os jornais da época, com base em depoimentos de policiais sobre o bando, atribuem a Lampião atos e assassinatos de extrema crueldade. Diferentemente de outros cangaceiros famosos, mais arredios à publicidade, Lampião preocupou-se bastante em construir uma imagem pública e passou a conceder entrevistas e permitir fotos. Sua fama chegou ao ápice em 1926, quando foi incorporado ao Batalhão Patriótico, uma milícia do governo. O objetivo dos homens do batalhão era combater a Coluna Prestes (1925-1927), movimento liderado por militares, principalmente tenentes, que percorreu o país propondo reformas políticas e sociais contra a pobreza, durante a República Velha. Ao tomarem a decisão de pertencer à milícia, os homens de Lampião chegaram à Juazeiro do Norte (CE) como salvadores da pátria, aclamados pela população. Como recompensa pela missão, Lampião e seu bando seriam anistiados. Porém, essa promessa nunca foi cumprida, e os cangaceiros não entraram em confronto com a Coluna.

Lampião atua com seus cangaceiros principalmente no sertão de Sergipe, Pernambuco e Bahia, mas há registros de assaltos também na área que vai do estado de Alagoas ao Ceará. Ele teria conhecido Maria Bonita em 1929. Ela deixa o marido, integra-se ao bando e acaba por também se tornar famosa.¹ Em 1930, o bebê que seria o primeiro filho de Lampião com Maria Bonita nasce morto. Dois anos depois, nasce Expedita, que o casal entrega a um coiteiro – como eram chamados os comparsas dos cangaceiros – para que ele a criasse.

Emboscada final

O cangaço chega ao fim durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que moderniza o país e reforça o aparato policial sob controle do Estado.
Lampião e seus cangaceiros morrem em uma emboscada noturna na fazenda de Angico, em Sergipe. Um coiteiro torturado pela polícia teria denunciado o esconderijo de Lampião. Aproximadamente 50 soldados da Polícia Militar teriam participado da ação, partindo de Piranhas (AL) para encurralar o cangaceiro e o seu bando. Pegos de surpresa, os comandados de Lampião não teriam conseguido reagir diante do fogo cruzado de fuzis e metralhadoras.

Os cadáveres decapitados foram exibidos como troféus da vitória da ordem e das instituições – de forma semelhante ao ocorrido com Zumbi, do Quilombo dos Palmares, e Tiradentes. Durante mais de 30 anos, a cabeça de Maria Bonita e a de Lampião permaneceram expostas no Museu da Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador, até ser definitivamente sepultada, em fevereiro de 1969.

Fonte: GE ATUALIDADES 2013. I semestre. P. 108 e 109.

1 - Ficaram famosos os versos de cordel de Octacílio Batista, que seguem abaixo:

Virgulino Ferreira, o Lampião
Bandoleiro das selvas nordestinas
Sem temer a perigo nem ruínas
Foi o rei do cangaço no sertão.
Mas um dia sentiu no coração
O feitiço atrativo do amor
A mulata da terra do condor
Dominava uma fera perigosa
Mulher nova, bonita e carinhosa
Faz o homem gemer sem sentir dor

Três Episódios sobre a Guerra do Contestado

Descobri há pouco!!! Acessem esse link!

A Guerra do Contestado

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Vídeos sobre Canudos e Contestado

Os Vídeos são um tanto ideológicos e direcionados mais aos alunos do Ensino Fundamental, mas há sempre o que aprender com eles.


domingo, 19 de maio de 2013

Lampião, o facínora dos sertões.




Área de atuação do bando de Lampião.


A SEDUÇÃO DOS BANDIDOS. DE LAMPIÃO A LEONARDO PAREJA, O QUE AFINAL NOS ATRAI NESSES FORAS DA LEI?

Um homem armado invade uma casa em busca de comida. A dona, humilde viúva da zona rural, não tem o que oferecer. Tomado por um ataque de fúria, o invasor dá uma surra na mulher e depois se volta para o jovem filho da viúva, que presencia tudo. Põe então em prática seu gosto por rituais de sadismo gratuito: enfia o órgão genital do menino numa gaveta e a tranca com chave. Depois, ateia fogo à casa. Desesperado, o rapaz é obrigado a cortar o próprio pênis para salvar a vida.

O facínora responsável por esse crime hediondo é hoje um mito nacional: Virgulino Ferreira, vulgo Lampião. Sua ficha criminal não caberia em todas as páginas desta edição. Durantes 22 anos, liderou um bando de cangaceiros em ataques sangrentos num vasto perímetro de sete estados do Nordeste. Arrasavam vilas e propriedades rurais. Estupravam mulheres. Castravam rapazes. Enterravam gente viva. Cortavam cabeças. Sangravam inocentes como animais em praça pública. Marcavam com ferro em brasa o rosto de moças que se vestiam de modo “inadequado”.

Os poderosos da época anunciavam publicamente sua indignação com os atentados em série e suplicavam verbas do governo federal para caçar os cangaceiros. Mas, nos bastidores, faziam acordos com os chefes da gangue, vendiam-lhe armas e contratavam seus valiosos serviços de jagunço para se livrarem de desafetos e se apossarem de terras abandonadas. O terror promovido pelo cangaço contribuiu para a migração em massa do Nordeste para o Sudeste nas primeiras décadas do século XX. Os cordéis da época lamentavam o sofrimento do sertanejo nas mãos dos bandidos

É um tormento horroroso
essa tal situação,
da gente não poder mais
viajar pelo sertão
para encontrar pelo caminho
indo cair direitinho
nas unhas de Lampião.



Como explicar que, hoje, esse bandido quase só receba loas, como símbolo de cabra-macho, vingador do sertão? Como explicar Lampião, o Mito?

É o que se perguntava desde criança a antropóloga Luitgarde Cavalcanti. Sua mãe caíra nas garras do cangaceiro quando jovem. No município de Santana de Ipanema (AL), Lampião trancou as moças da família em uma casa e ordenou que ninguém de seu bando encostasse nelas. Não foi um súbito acesso de bondade. Luitgarde atribui a decisão ao racismo do “rei do cangaço”. Descendentes de holandeses, com pele clara, olhos azuis, bem vestidas, aquelas mulheres impressionaram Lampião pelo fino trato e pela boa aparência. Eram, enfim, de uma “raça refinada”.

Por mais de 20 anos, Luitgarde se dedicou a investigar o cangaço, o que resultou no livro A derradeira gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no sertão (2000). Para ela, a mitificação de Lampião é um absurdo histórico a ser corrigido. “Ele só conseguiu permanecer 22 anos praticando os seus crimes porque servia à classe dominante”. O êxodo provocado por Lampião refez o latifúndio no sertão nordestino. Enquanto foi vivo, ele não era mitificado pelo povo. “Até o início de 1960, nenhum cordel dizia que Lampião teria ido para o céu; ele sempre aparecia no inferno”, diz ela. Tanto que o coronel Lucena Maranhão, o homem que matou o pai do cangaceiro e mais tarde liderou a caçada que resultou na morte do próprio Lampião (1938), entrou para a história como benfeitor público.

Então, quando, e por obra de quem, surgiu o Lampião fictício, guerreiro de Brasil miserável? A pesquisadora aponta origens distintas para essa deturpação. Em primeiro lugar estão os que participaram ou que se beneficiaram do cangaço. Os irmãos Melchiades e Ezequias da Rocha, por exemplo, descendiam dos “coiteiros” de Lampião – gente que ajudava os cangaceiros a se esconder e os apoiava com serviços variados. Aos Rocha soava bem melhor ter ancestrais ligados a um “justiceiro” do que serem conhecidos como protetores de bandidos. Eis porque, a partir dos anos 1940, o jornalista Melchiades, repórter de A Noite, passou a defender um novo olhar sobre o cangaço, enquanto o senador e médico Ezequias compunha cordéis sob o pseudônimo de Zabelê. Trazem sua assinatura os primeiros versos conhecidos em que Lampião tem seus atos legitimados pela corrupção reinante, como estes:

Para havê paz no Sertão,
E as moça pudê prosá
E os rapaz pudê se ri
E os menino diverti
É preciso inleição
Pra fazê de Lampião
Gunvenadô do Brasil.

A versão de que Lampião simbolizava um certo ideal de justiça social atendia a vários interesses, até mesmo para os potentados regionais da política e da Justiça. No outro extremo dos embates políticos, o novo Lampião caía como uma luva para a propaganda comunista no Brasil, como exemplo de “herói camponês” – a Internacional Comunista chegou a pensar em recrutá-lo como guerrilheiro. Nos anos de 1960, quando sobreveio a ditadura e a esquerda se aferrou a símbolos de libertação popular, não havia mais dúvida sobre quem teriam sido os vilões e os heróis nos combates entre cangaceiros e a polícia corrupta dos coronéis. Some-se a tudo isso a liberdade poética dos cordelistas e cantadores, tendo à mão o apelo dramático de personagens altamente simbólicos e já distantes no tempo. Receita pronta e infalível para o nascimento do bom bandido.

Aliás, fora de seu contexto, o bordão “Bandido bom é bandido morto”, popularizado pelo ex-deputado fluminense Sivuca, tem a precisão de uma máxima sociológica. Pois é justamente o que afirma o historiador best-seller britânico Eric Hobsbawm em Bandidos, obra de referência para os estudos sobre o conceito de “banditismo social”: “Sem dúvida, é mais fácil converter bandidos mortos, ou até mesmo remotos, em Robin Hoods, qualquer que tenha sido seu comportamento real”. Se bandido bom é bandido morto, melhor ainda é bandido inexistente. Como comprova o mesmo Hobsbawm ao apontar a lenda de Robin Hood como ideal universal do bom ladrão. Sem os pecados e as contradições dos criminosos de carne e osso, ele se beneficiou da imaterialidade para perenizar-se no imaginário do honrosa e eterna odisseia humana em sua luta contra autoridades ilegítimas ou injustas.

Em Bandidos, lançado no Brasil em 1975, Hobsbawm faz uma viagem panorâmica por diversos exemplos de “bandidos sociais” ao redor do mundo, procurando embasar esse novo conceito em critérios socioculturais aproximativos. O livro virou referência, para o bem ou para o mal: criticado por muitos, mas obrigatoriamente citado desde então. O contexto de atuação dos bandidos sociais de Hobsbawm se relaciona com a era moderna – a partir da formação dos estados nacionais e do controle dos territórios por poderes centrais – e se dá sempre na área rural. A maior causa das críticas à obra é sua análise genérica de que esse tipo de banditismo teria um significado pré-político, demarcando um início de reação das populações excluídas contra a opressão dos poderes locais. Para Hobsbawm, Lampião entra no rol dos “bandidos sociais”, embora com a ressalva de que ra um personagem ambíguo, meio “nobre”, meio “monstro”.

Ainda que percam precisão quando generalizados, alguns modelos de Hobsbawn são úteis para uma verificação da presença, ou não, do bandido social em casos específicos de crimes. Um deles é o fator vingança. Em diversos tempos e culturas, a vingança é encarada como motivo aceitável para se pegar em armas a fim de fazer justiça com as próprias mãos. Foi o que levou outro cangaceiro notório, Antônio Silvino (1875-1944), a conquistar sua vaga no Paraíso dos cordéis: ele começou sua vida bandida para vingar o pai assassinado. O mesmo argumento por vezes é usado para defender Lampião. Mais uma vez a caçadora do mito Luitgarde Cavalcanti se insurge contra a tese: “Isso é outra mentira. Lampião entrou ara o cangaço com o pai muito vivo, em 1916. O pai dele só morreu cinco anos depois”. Quando muito, teria caído na marginalidade por conta de violentas rixas familiares anteriores. Em seu livro, Luitgarde chama de “escudo ético” o pretexto da vingança paterna utilizada por Lampião para justificar suas ações. Antônio Silvino, em oposição, ganha crédito da pesquisadora por ter mantido um “resto de honra”, obedecendo a certos limites – não estuprava e não castrava, por exemplo.

Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 6, n° 68, maio de 2011. P 17 a 21.

Canudos em Os Sertões.



"Viu a República com maus olhos e pregou, coerente, a rebeldia contra as novas leis. Assumiu desde 1893 uma feição combatente inteiramente nova.

Originou-a fato de pouca monta.

Decretada a autonomia dos municípios, as Câmaras das localidades do interior da Bahia tinham afixado nas tábuas tradicionais, que substituem a imprensa, editais para a cobrança de impostos etc.

Ao surgir esta novidade Antônio Conselheiro estava em Bom Conselho. Irritou-o a imposição; e planeou revide imediato. Reuniu o povo num dia de feira e, entre gritos sediciosos e estrepitar de foguetes, mandou queimar as tábuas numa fogueira, no largo. Levantou a voz sobre o "auto-de-fé", que a fraqueza das autoridades não impedira, e pregou abertamente a insurreição contra as leis.

Avaliou, depois, a gravidade do atentado.

Deixou a vila, tomando pela estrada de Monte Santo, para o norte.

O acontecimento repercutira na capital, de onde partiu numerosa força de polícia para prender o rebelde e dissolver os grupos turbulentos. Estes naquela época não excediam a duzentos homens. A tropa alcançou-os em Maceté, lugar desabrigado e estéril entre Tucano e Cumbe, nas cercanias das serras do Ovo. As trinta praças, bem armadas, atacaram impetuosamente a turba de penitentes depauperados, certas de os destroçarem à primeira descarga. Deram, porém, de frente, com os jagunços destemerosos. Foram inteiramente desbaratadas, precipitando-se na fuga, de que fora o primeiro a dar o exemplo o próprio comandante.

Esta batalha minúscula teria, infelizmente, mais tarde muitas cópias ampliadas."

Trecho de Os Sertões, de Euclides da Cunha.

A Guerra de Canudos.








A origem da Guerra de Canudos é obscura, e Os sertões bem que se esforça por elucidá-la. Sabe-se que Antônio Conselheiro peregrinou durante trinta anos pelos sertões do Nordeste, cumprindo voto de penitência que consistia em construir ou reconstruir igrejas, cemitérios e açudes, enquanto fazia pregações e proferia sermões (os conselhos). Essa mistura de fé com boas obras provocou alguns conflitos com a polícia e a Igreja, pois Antônio Conselheiro, que era católico e beato, mas não tinha sido ordenado sacerdote, obtinha ou não a tolerância dos vigários locais, conforme o caso. Sabe-se também que justamente por não ser padre, ele pregava somente no adro das igrejas e não no altar, e que se abstinha de administrar os sacramentos, como o casamento, o batismo, etc. Peregrinava acompanhado por um séquito, que o acolitava nas obras e nas orações, rezando junto com ele.

Ora, o advento da república acarreta alterações que perturbam o ânimo dos peregrinos. De um lado, são decretados novos impostos, que gravam a população pobre do sertão. De outro, certas medidas laicas, mas afetando princípios religiosos vincadamente tradicionais, são postas em ação. É o caso da separação entre Igreja e Estado, a liberdade de culto e a instituição do casamento civil pela Assembleia Constituinte de 1890. Especialmente esta, que contradizia frontalmente um sacramento católico.

Após algumas escaramuças com as autoridades das vilas e arraiais do interior, os peregrinos passaram a evitar as aglomerações urbanas e a afundar-se cada vez mais no deserto, para votar-se à vida contemplativa. Acabam por arranchar, por volta do ano de 1893, na tapera de uma fazenda abandonada no fundo do sertão da Bahia, longe de tudo. As ruínas eram de uma antiga propriedade fundiária ora abandonada e que pertencera à Casa da Torre, um vasto domínio de criação de gado estabelecido pelo bandeirante Garcia d'Ávila nos primórdios da colônia. Sobre as ruínas, os peregrinos instalam seu acampamento, edificam pouco a pouco seus barracos de pau-a-pique - futura Tróia de taipa, no oximoro euclidiano -, reconstroem  a pulso, e pedra por pedra, um antigo templo local e começam a erguer um outro muito maior, defronte àquele. Ambos nos largo central do povoado, serão batizados como Igreja Velha e Igreja Nova. Estava instalado o arraial de Canudos, nome pelo qual já era conhecida a antiga fazenda.

É da construção da Igreja Nova que decorre um primeiro incidente, a multiplicação deles se avolumando até deflagrar uma verdadeira guerra.

Não há madeira no sertão, cuja cobertura vegetal típica é a caatinga a qual, como vimos, não passa de um mato ralo, de garranchos, gravetos e cactos. Por isso, o povo de Canudos tinha comprado e pago antecipadamente na cidade de Juazeiro um lote de peças necessárias para as obras da Igreja Nova. Não tendo sido entregue a encomenda, apesar de paga, ameaçaram ir buscá-la pessoalmente.

O que fizeram, organizados numa procissão precedida pela bandeira do divino Espírito Santo, cantando hinos religiosos. Mas as autoridades locais tinham convocado, para recebê-los, tropas estaduais, comandadas pelo tenente Pires Ferreira. Emboscadas estas em Uauá, seguiu-se um combate sangrento, em que os canudenses foram dizimados. Ainda assim, sem saber avaliar a quantidade em números e os recursos de que o adversário dispunha, as tropas bateram em retirada. Esse episódio passou à história como a primeira expedição contra Canudos, ou expedição Pires Ferreira (1896)

Enceta-se então a preparação de uma nova ofensiva, sempre com tropas estaduais baianas, agora mais numerosas e mais bem armadas, bem como sob o comando de uma patente mais alta, o major Febrônio de Brito. Em janeiro de 1897 deslancha o ataque, que resulta igualmente em derrota, nos arredores de Canudos. Essa foi a segunda expedição contra Canudos, ou Expedição Febrônio de Brito.


A terceira expedição ganha uma patente superior, tendo por comandante um coronel, e que coronel: Moreira César tivera sua reputação firmada durante a campanha contra a Revolução Federalista no sul do país, quando se destacara pelo rigor da repressão que exercia, ganhando então o cognome de "Corta-cabeças" ou "Corta-pescoço". O perigo que Canudos veio a representar, após essas duas derrotas, já é agora considerado de alçada nacional e grave demais para ficar sob a responsabilidade de tropas estaduais. Monta-se uma grande ofensiva, com forças federais vindas de todo o país, armamento moderno incluindo canhões, e uma ampla campanha no sentido de alertar a oponião pública. Os ânimos estão exaltados, a demagogia patriótica espicaçada, e começa-se a insinuar que os incidentes do sertão apontam para uma tentativa de restauração monárquica.

Acompanhada pela atenção de todo o país, a terceira expedição se reúne em Salvador e marcha para Canudos. Chega a atacar o arraial, mas após algumas horas, sofrendo pesadas perdas, inclusive a de seu comandante, bate em retirada debandando, enquanto para facilitar a fuga joga fora armas e munições - que serão coletadas e entesouradas pelos canudenses - e até peças de farda, como dólmans ou botas.

A celeuma provocada por mais essa derrota é incalculável. Manifestações de rua nas duas principais cidades do país, Rio de Janeiro e São Paulo, acabaram se transformando em motins em que o furor da multidão se desencadeou sobre os alvos mais óbvios, ou seja, os poucos jornais monarquistas sobreviventes: quatro foram empastelados e o dono de um deles foi linchado. “Todos clamavam pelo aniquilamento dessa ameaça nacional contra a república.”


A quarta expedição põe-se em marcha em junho de 1897 (com Euclides, nomeado adido do ministro da Guerra, seguindo depois com uma das colunas em agosto) e vai assediar o arraial, o qual é cercado para impedir socorro ou reforços. Mas sobretudo para tolher o abastecimento de água, tão preciosa na caatinga seca e penosamente obtida em cacimbas no leito seco do rio Vaza-Barris.

Entrementes, os canudenses, que antes só dispunham de poucas e arcaicas peças de fogo, daquelas de carregar pela boca - arcabuzes, bacamartes e colubrinas - agora dispõem do mais moderno armamento da época, abandonado pela terceira expedição em debandada.

À medida que o assédio constringe o arraial, do qual alguns setores vão sendo ocupados, a resistência inquebrantável dos canudenses começa a desafiar a compreensão e a constituir-se em enigma. Alguns dias antes do final, parlamenta-se uma rendição, negociada por Antônio Beatinho, membro da Guarda pessoal de Antônio Conselheiro. Para consternação dos atacantes, entregam-se cerca de trezentas mulheres, reduzidas pela fome à condição de esqueletos, acompanhadas pelas crianças e por alguns velhos; e a resistência recrudesce, mais forte agora porque desvencilhada de um peso morto. Finalmente, após um bombardeio intenso de vários dias e da utilização pioneira de uma espécie de napalm primitivo - a gasolina espalhada sobre as casas ainda habitadas é incendiada por bastões de dinamites sobre elas lançado - o arraial se calou, sem se render, a 5 de outubro de 1897. Os últimos resistentes, calcinados numa cova no largo das igrejas, não eram mais que quatro, dois quais dois eram homens, um velho e um menino.

(...) O cadáver de Antônio Conselheiro, que morrera dias antes do final, foi exumado. Sua cabeça cortada e levada para a Faculdade de Medicina da Bahia para ser autopsiada, com a intenção de descobrir-se a origem de seus descaminhos..."


Fonte:  Introdução ao Brasil, vol 1, org Lourenço Dantas da Silva; Walnice Nogueira Galvão, Os sertões de Euclides da Cunha, p. 161 – 167.