sexta-feira, 22 de março de 2013

A Crise de 29

Clique aqui e conheça um pouco mais sobre a Crise de 1929.


sexta-feira, 15 de março de 2013

Lênin, um Democrata? *


Lênin, em abril de 1917.



O livro Nova História Crítica, de Mário Schmidt, da editora Nova Fronteira, em seu volume único para o Ensino Médio, como todo livro, tem qualidades e defeitos. A principal qualidade é a maneira próxima e muitas vezes informal que o autor conversa com o “leitor-aluno”, procurando, sempre, fazer analogias que procuram facilitar a compreensão do estudante. Muitas vezes, reconheço, essas analogias pecam pela pobreza; mas de qualquer forma é um recurso eficiente para explicar conceitos quase sempre complexos.

Os principais defeitos do livro são seu antiamericanismo bocó, sua visão romântica do socialismo e, claro, a forma deplorável como ele se refere ao sistema capitalista e aos burgueses. Tudo isso faz o autor esquecer a objetividade e a responsabilidade no ensino da história.

Em conteúdos em que a ideologia turva o entendimento, como é o caso da Revolução Russa, o autor faz uma verdadeira ginástica intelectual para defender o socialismo, a ponto de considerar Lênin um democrata frustrado pelas contingências da vida. Sem poder defender Stálin, o autor exalta a figura do chefe dos bolcheviques durante a Revolução de Outubro, reforçando a tese furada de que o socialismo imaginado por Lênin e, em certa medida, também por Trotsky, fora completamente desvirtuado por Stálin, transformando-se numa ditadura infame e assassina. O objetivo dessa tese é clara: mostrar que o socialismo teorizado por Karl Marx e imaginado por Vladmir Lênin, ainda não aconteceu.

Antes de mostrar os equívocos dessa tese, vou reproduzir trechos do livro de Schmidt que a meu ver contradizem sua afirmação de que o líder dos bolcheviques era, na essência, um democrata, e que pelas circunstâncias tornou-se um totalitário.

“ [Lênin] não hesitou em calar a boca de todos aqueles que punham em dúvida os caminhos tomados. Os outros partidos políticos foram proibidos de funcionar. A imprensa ficou controlada pelos bolcheviques. Uma rebelião de marinheiros, influenciada pelos anarquistas, na base de Kronstadt, foi esmagada com energia.” (página 511)

Digam-me aí se essas medidas tomadas por Lênin após a Guerra Civil podem qualificá-lo como um democrata?

Mário Schmidt sugere que as medidas de Lênin se inserem num contexto único de perigo revolucionário. Em outras palavras: as prisões, os banimentos, os assassinatos, a repressão e as medidas antidemocráticas foram necessárias para “salvar a revolução”. Em 1793, os jacobinos – pelo menos esse é o raciocínio de Eric Hobsbawn - adotaram a Política do Terror com o argumento de que a Pátria estava em perigo, justificando as medidas de exceção que levaram à guilhotina 35 mil franceses.

O trecho abaixo seria cômico, se não fosse trágico.

“O dirigente bolchevique [Lênin] estava muito preocupado com o futuro da democracia na URSS. Dizia que o socialismo só poderia triunfar se fosse democrático. Tinha medo da vaidade de Trotski e da brutalidade de Stálin. Propunha dissolver a autoridade pessoal do partido em favor da autoridade coletiva.” (página 511)

Na mesma página, o autor do livro menciona que no testamento político de Lênin, o então líder máximo da União Soviética gostaria que seu sucessor fosse Trotsky. Ao que parece, entre a vaidade de Trotsky e a brutalidade de Stálin, Lênin temia mais a brutalidade.

Não existe nenhum livro escrito por Lênin em que ele defenda a democracia. Desafio alguém a mostrar. Assim como, não há nenhum livro em que Trotsky tenha, mesmo que de longe, defendido a democracia. Em verdade, num livro famoso, Moral e Revolução, o adversário de Stálin condena veementemente valores liberais e democráticos, qualificando-os de burgueses e inadequados para a moral bolchevique. Por tudo isso, soa-me estranho a afirmação de que Lênin esteve preocupado com a democracia na Rússia e que por isso pensava em propor o fim da “autoridade pessoal do partido em favor da autoridade coletiva”, seja lá o que isso signifique.

De concreto, o que se tem é que nos países onde o socialismo triunfou a democracia nunca passou pela cabeça dos dirigentes comunistas. Se é verdade que teóricos como Rosa de Luxemburgo criticavam os rumos da Revolução de 1917 na Rússia, sobretudo porque calcada na falta de liberdade, não é menos verdade de que em nenhum regime político socialista, a democracia, mesmo capenga, existiu.

Lênin pensava em acabar com a autoridade pessoal do partido, mas deixou um testamento transferindo essa autoridade para Trotsky? Não é estranho?

Na luta entre Trotsky e Stálin pelo controle do país, venceu aquele que dominava a máquina do partido e perdeu aquele que era tido pelos companheiros de revolução como um intelectual arrogante e presunçoso. A disputa entre os dois não foi por causa do futuro da revolução. Foi pelo poder.

Lênin pensava em acabar com a autoridade pessoal do Partido, mas no X Congresso do Partido, em março de 1921, acabou aprovando a resolução que discliplinava os críticos. Admtia a divergência durante os debates, mas depois da aprovação da proposta, exigia dos derrotados a obediência cega! Quem insistisse na dissidência seria "expulso" do partido. Claro que o termo "expulsão" aqui significa prisão, condenação a trabalhos forçados e fuzilamentos.

Lênin pensava em acabar com a autoridade do partido, mas no mesmo congresso aprovou a criação do Politburo, órgão formado por ele e mais 4 membros, depois ampliado para 7 e 9 membros e que na prática centralizava todas as decisões políticas do país comunista. Se com essas medidas Lênin imaginava acabar com a autoridade pessoal do partido, assusta-me imaginar se ele quisesse o contrário.

Lênin nunca foi um democrata. Nem quando enchia a cara com vodca russa. Leitor atento de Karl Marx, jamais poderia coadunar com os valores liberais em política. O socialismo seja do ponto de vista econômico, seja do político, não combina com democracia. A história o comprova.

Numa obra recente e obrigatória, A Guerra particular de Lênin, a historiadora britânica, Lesley Chamberlain, revela quão pouco democrático Lênin agiu durante e depois da Guerra Civil. De prisões, passando por confiscos e deportações, até chegar a fuzilamentos sumários de milhares de padres ortodoxos, ou mesmo dissidentes que até há pouco haviam sido companheiros na Revolução. Lênin tinha a mesma sede de sangue que o vaidoso Trotsky e o brutal Stálin. As vítimas dele, em sua esmagadora maioria, tinham cometido um único crime: ousaram discordar do líder e da maneira como a revolução estava sendo conduzida.

Leiam com atenção este trecho do livro de Lesley Chamberlain:

“Quando os bolcheviques tomaram o poder, ele ficou furioso[refere-se aqui a Kizevetter, intelectual idealista russo]atacando ‘todo esse fanatismo selvagem e destrutivo lançado sobre Moscou e a Rússia por um punhado de cidadãos russos que se entregaram a atos de inédita maldade contra seu próprio povo e tentam garantir o poder em suas próprias mãos a qualquer preço, violando, com ilimitada desfaçatez, os mesmos princípios de liberdade e irmandade que eles defendem de forma blasfema’”(página 42)

Mais adiante a historiadora continua:

“Praticamente todos os homens na futura relação de Lênin de jornalistas políticos, economistas, críticos literários, filósofos e editores devia sua vaga nos navios à sua participação na campanha antibolchevique pelos jornais. Se alguém escrevesse defendendo o outro lado, provavelmente seria deportado.” (página 43)

O livro está repleto de exemplos de como o projeto bolchevique imaginado e implantado por Lênin no início da Revolução de Outubro e, sobretudo, durante a Guerra Civil nunca fora democrático. O socialismo, em todos os lugares onde foi implantado, mal grado a vontade de muita gente ingênua, jamais produziu riqueza e igualdade e ainda por cima solapou os valores democráticos, extinguindo as liberdades individuais, alicerces fundamentais de uma sociedade livre.

É falaciosa, portanto, a idéia de que se Lênin não tivesse morrido em 1924, ou mesmo Trotsky tivesse derrotado Stálin, o regime socialista na União Soviética teria tido outro rumo. O que se vê nas obras de Lênin e de Trotsky ou nas suas ações políticas, leva-nos a uma conclusão óbvia: leninismo, trotskismo ou stalinismo, não importa: todos desprezavam a democracia, as liberdades e a vida humana. Eram, desde as origens, doutrinas assassinas e liberticidas!

* Artigo publicado originalmente em 20 de março de 2009.

Trotsky X Stálin

À esquerda, Leon Trotsky. Ao lado dele, Stálin.





Após a morte de Lênin, em 1924, o comando da Revolução foi disputado entre os colaboradores mais próximos do líder máximo dos bolcheviques. Hoje se sabe que Lênin tinha uma preferência por Trotsky, mas convalescendo de um derrame, o chefe dos bolcheviques não tinha mais força para fazer prevalecer a sua vontade. A incapacidade física de Lênin deu a Stálin a oportunidade necessária para se tornar o líder da Revolução. Disciplinado, incansável e com boa reputação entre a maioria dos membros do partido (o que em se tratando de bolcheviques significava crueldade e frieza com os inimigos), Stálin não deu à mínima para a preferência de Lênin por Trotsky.

Diretor do jornal Pravda, que por ironia significa verdade em russo, Stálin não sentiu pudores de enganar o próprio chefe moribundo que numa cama recebia o jornal sem saber que se tratava de uma edição falsa, previamente preparada a mando de Stálin para não aborrecer o Grande Líder. Se Stálin era capaz de enganar o próprio Lênin, o que não faria para esmagar Trotsky? Nessa conjuntura, não havia muita chance para o criador do exército vermelho.

Nos livros didáticos de história essa disputa entre Stálin e Trotsky se resume aos modelos de revolução que cada um defendia. Leon Trostky era partidário da revolução permanente e imaginava que se a revolução socialista não se difundisse pela Europa, o próprio regime na Rússia estaria ameaçado. Stálin, por sua vez, acreditava que antes de tudo era preciso consolidar o socialismo na Rússia para só depois pensar em difundi-lo.

Mais do que divergências teóricas, Stalin e Trotsky disputavam mesmo era o poder de comandar a revolução. Nessa disputa, Trotsky saiu em desvantagem. O preferido de Lênin era considerado arrogante entre os companheiros de armas, que, além disso, viam seu "brilhantismo" intelectual com desconfiança. Para piorar, a máquina do partido e os meandros da burocracia eram controlados por Stálin. 
Isolado no partido, e mais tarde afastado de suas funções no governo por ordens de Stálin, Trotsky foi perdendo força até ser expulso do país em 1929. No exterior criticou o socialismo de Stálin acusando-o de se desviar do socialismo imaginado por Lênin.

Antes de mandar matar Trotsky no México, Stálin decidiu matá-lo na história. Num exemplo notório do que seria a política bolchevique de fazer sumir da história pessoas ou ideias tidas como inimigas, o camarada Stálin determinou que todos os registros fotográficos onde Trotsky aparecia ao lado de Lênin fossem alterados. Assim, nas fotos oficiais que contavam a história da Revolução de Outubro, Lênin que quase sempre tinha a companhia de Trotsky, aparece nas imagens sem o seu companheiro. Vejam dois exemplos abaixo:


Acima, Lênin discursando em frente ao teatro Bolshoi em Moscou. Repare em Trotsky ao lado do palanque. Abaixo, a mesma foto sem a presença de Trotsky.




Outro exemplo de como Stálin procurou apagar a memória de Trotsky da História. Aqui, o criador do exército vermelho está ao lado de Lênin. Veja, abaixo, como essa foto ficou depois das ordens de Stálin.




Aproveito o ensejo para sugerir a leitura de um clássico escrito em 1948 e que deveria ser leitura obrigatória de todo jovem que almeja chegar à universidade. Refiro-me ao livro 1984, de George Orwell, pseudônimo do escritor inglês Eric Blair, que de forma magistral mostra como seria o mundo se governado por regimes totalitários, como o fascista ou o comunista. Nesse livro há várias referências ao regime comunista da União Soviética. Uma dessas referências, claramente influenciado pelo que acontecia na União Soviética, o autor nos fala de um Ministério da Verdade onde havia o Departamento de Registro, em que trabalhava Winston Smith, personagem central do livro, cujo trabalho consiste em fazer desaparecer dos registros históricos fatos e pessoas que são tidas como inimigas do Partido. Além disso, esse departamento ajustava a história às conveniência do Grande Irmão (Big Brother) que se era contraditado pelos fatos, mudava-se os fatos para que o Grande Irmão parecesse aos olhos do povo, infalível! 
O livro é excelente!


* Esse texto foi originalmente publicado em 24 de fevereiro de 2009.