sábado, 28 de abril de 2012

O STF diz que a discriminação é constitucional.

ABAIXO, UM EXCELENTE EDITORIAL DO ESTADÃO.

A discriminação racial no Brasil é constitucional, segundo decidiram por unanimidade os ministros do Supremo Tribunal (STF), num julgamento sobre a adoção de cotas para negros e pardos nas universidades públicas. Com base numa notável mistura de argumentos verdadeiros e falsos, eles aprovaram a reserva de vagas para estudantes selecionados com base na cor da pele ou, mais precisamente, na cor ou origem étnica declarada pelo interessado. Mesmo enfeitada com rótulos politicamente corretos e apresentada como “correção de desigualdades sociais”, essa decisão é obviamente discriminatória e converte a raça em critério de ação governamental. Para os juízes, a desigualdade mais importante é a racial, não a econômica, embora eles mal distingam uma da outra.

O ministro Cezar Peluso mencionou as diferenças de oportunidades oferecidas a diferentes grupos de estudantes. Com isso, chamou a atenção para um dos maiores obstáculos à concretização dos ideais de justiça. Todos os juízes, de alguma forma, tocaram nesse ponto ou dele se aproximaram. Estabeleceram, portanto, uma premissa relevante para o debate sobre a formação de uma sociedade justa e compatível com os valores da democracia liberal, mas perderam-se ao formular as conclusões.

O ministro Joaquim Barbosa referiu-se à política de cotas como forma de combater “a discriminação de fato”, “absolutamente enraizada”, segundo ele, na sociedade. Mas como se manifesta a discriminação? Candidatos são reprovados no vestibular por causa da cor? E os barrados em etapas escolares anteriores? Também foram vítimas de racismo?

A ministra Rosa Weber foi além. “A disparidade racial”, disse ela, “é flagrante na sociedade brasileira.” “A pobreza tem cor no Brasil: negra, mestiça, amarela”, acrescentou. A intrigante referência à cor amarela poderia valer uma discussão, mas o ponto essencial é outro. Só essas cores identificam a pobreza no Brasil? Não há pobres de coloração diferente? Ou a ministra tem dificuldades com a correspondência de conjuntos ou ela considera desimportante a pobreza não-negra, não-mestiça e não-amarela.

Mas seus problemas lógicos são mais amplos. Depois de estabelecer uma correspondência entre cor e pobreza, ela mesma desqualificou a diferença econômica como fator relevante. “Se os negros não chegam à universidade, por óbvio não compartilham com igualdade das mesmas chances dos brancos.” E concluiu: “Não parece razoável reduzir a desigualdade social brasileira ao critério econômico”. A afirmação seria mais digna de consideração se fosse acompanhada de algum argumento. Mas não é. O fator não econômico e estritamente racial nunca foi esclarecido na exposição da ministra nem nos votos de seus colegas.

Nenhum deles mostrou com suficiente clareza como se manifesta a discriminação no acesso à universidade ou, mais geralmente, no acesso à educação. O ministro Celso de Mello citou sua experiência numa escola pública americana sujeita à segregação. Lembrou também a separação racial nos ônibus escolares nos Estados Unidos. Seria um argumento esclarecedor se esse tipo de segregação - especificamente racial - fosse no Brasil tão normal e decisivo quanto o foi nos Estados Unidos.

Talvez haja bons argumentos a favor da discriminação politicamente correta defendida pelos juízes do STF, mas nenhum desses foi apresentado. Brancos pobres também têm dificuldade de acesso à universidade, mas seu problema foi menosprezado.

Se um negro ou pardo com nota insuficiente é considerado capaz de cursar com proveito uma escola superior, a mesma hipótese deveria valer para qualquer outro estudante. Mas não vale. Talvez esse branco pobre também deva pagar pelos “danos pretéritos perpetrados por nossos antepassados”. Justíssimo?
Como suas excelências poderão ser envolvidas em outras questões de política educacional, talvez devam dar uma espiada nos censos. Os funis mais importantes e socialmente mais danosos não estão na universidade, mas nos níveis fundamental e médio. Países emergentes bem-sucedidos na redução de desigualdades deram atenção prioritária a esse problema. O resto é demagogia.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Os Projetos de República

Os dois Projetos de República.¹

Quando em outubro deste ano os eleitores brasileiros forem às urnas estarão celebrando a sétima eleição consecutiva e direta para Presidente da República. Os mais jovens talvez não saibam, mas nos 121 anos de República no Brasil, nosso país passou por duas famigeradas ditaduras: a do Estado Novo (1937-1945), cujo ditador foi Getúlio Vargas; e a do Regime Militar (1964 - 1985). Nesses dois períodos foi retirado dos brasileiros o direito de eleger pelo voto direto o Presidente da República.

Quando em 15 de novembro de 1889 a quartelada comandada pelo marechal Deodoro da Fonseca destronou o imperador D Pedro II e mandou a família imperial para a Europa, o novo regime político que se implantava pela força não teve qualquer apoio no seio do povo, que assistiu - usando a feliz expressão de José Gilherme Mota - bestializado o fim da monarquia.

No mesmo sentido, ensina-nos Boris Fausto que "como episódio, a passagem do Império para a República foi quase um passeio", aludindo certamente ao fato de que não houve comoção popular nem crises de instabilidade causadas pelo Golpe do Exército.

Toda essa calmaria, entretanto, logo logo cederia lugar a um período de instabilidade política, como revoltas militares, crise econômica, revoltas no campo e nas cidades. Se a Proclamação da República em si, não sacudiu o país, os primeiros 15 anos do regime foram marcados por sérias crises políticas e sociais.

Em primeiro lugar é fundamental que a gente lembre que os grupos que defendiam o regime republicano não eram homogêneos nem tinham a mesma visão sobre a organização do novo regime. Grosso modo havia duas visões opostas: a dos militares - e aqui falo do exército - e a dos grandes proprietários, sobretudo dos cafeicultores. Os primeiros defendiam um modelo republicano baseados nas ideias do positivismo e os os outros tinham uma visão mais liberal, próxima da república norte-americana, conhecida como federalismo.

Estou, meus caros, a simplificar as divergências, haja visto que mesmo entre os militares havia importantes diferenças, e entre os cafeicultores também; contudo, numa visão abrangente, as ideias positivistas e federalista, confrontavam-se no debate sobre o modelo de República que deveria ser implantado no Brasil. Este post tem como objetivo tratar desses dois projetos de república.

Os positivistas

Boris Fausto nos ensina que apesar do positivismo estar ligado aos oficiais do exército brasileiro, havia civis, como os republicanos gaúchos, que defendiam o projeto positivista . Por outro lado, os dois primeiros presidentes do Brasil, que foram militares, o Marechal Deodoro e o Marechal Floriano Peixoto não eram exatamente entusiastas do positivismo. O primeiro imaginava que com a República o exército passaria a ter mais prestígio e reconhecimento do que tinha com a Monarquia, assumindo um papel importante nos destinos do país. O segundo, embora não fosse positivista, estava cercado por jovens oficiais da Escola Militar que defendiam com ardor as idéias do positivismo. Esses jovens oficiais concebiam que a missão dos militares era dar um sentido aos rumos do país. A República deveria garantir a ordem e o progresso do Brasil. Eles entendiam como progresso a "modernização da sociedade através da ampliação dos conhecimentos técnicos, do crescimento da indústria, da expansão das comunicações"²

Em que pese as diferenças entre o "grupo" de Deodoro e o "grupo" de Floriano, o fato de pertencerem ao exército lhes dava um sentido de aproximação. De forma geral acreditavam num Poder Executivo forte, numa inevitável ditadura militar e viam o exército como uma instituição incorruptível, defensora por princípio dos interesses nacionais, numa palavra: patriótica. Desconfiavam da ideia liberal de conceder autonomia às províncias, primeiro porque enxergavam nesse fato os interesses particulares dos grandes proprietários e depois porque imaginavam que a autonomia das províncias traria de volta o risco da fragmentação territorial do país.³

Os Grandes Proprietários

O historiador Marco Antônio Vila nos revela que em agosto de 1889 a eleição para a câmara elegeu apenas dois representantes do Partido Republicano. Os demais eram dos partidos que sustentavam a Monarquia: o Conservador e o Liberal. Como, pergunta Vila, em três meses, todo o apoio político que sustentava o imperador se esvaneceu? Uma das explicações, segundo o professor da UFSCar está na ideia de que com a república haveria autonomia das províncias, dando aos grandes proprietários um poder que não conseguiam desfrutar por causa do regime centralizador da monarquia. Isto é, foi sobretudo por conta da possibilidade de conquistarem mais poder nos seus respectivos estados que muitos daqueles que apoiavam o imperador debandaram-se para a causa republicana.

Havia, portanto, entre os defensores da República, dois modelos opostos: o que defendia um governo mais centralizado, e que por isso não via com bons olhos a ideia do federalismo; e aquele que defendia uma importante descentralização política, dando às províncias a autonomia para contrair empréstimos, criar impostos, criar leis, etc.

A luta entre essas duas visões de país vai marcar a história do início da República no Brasil.

1 - Texo publicado originalmente em março de 2010.