segunda-feira, 23 de junho de 2008

Uma breve história dos francos.



Entre os Reinos Romano-Germânicos foi o Reino dos Francos o que assumiu relativa primazia em relação aos demais, não só pela ligações mantidas com a Igreja, como também por ser o único a possuir maior estabilidade e aquele em que as instituições feudo-vassálicas apresentaram modelos clássicos.

Localizados inicialmente em terras da atual Bélgica, os francos haviam conservados suas crenças pagãs e seus hábitos guerreiros, mantidos vivos devido à maior proximidade com a Germânia. Compreendiam dois "ramos": os sálicos e os ripuários.

Clóvis, rei franco da dinastia merovíngia, deu início ao processo de unificação das tribos francas, o que originou o Reino dos Francos, em 481. Clóvis abandonou as práticas pagãs e converteu-e ao catolicismo em 496, fato que terá uma importância decisiva na história dos francos. A partir dessa conversão, Clóvis passa a ter o apoio da Igreja no combate a outros povos germânicos, como burgúndios e visigodos, que eram cristãos arianos - doutrina considerada herética pelo Concílio de Nicéia em 324 - conquistando assim a Gália (atual França), expandindo o território dos francos.

Outro importante rei franco foi Carlos Magno (768 - 814) , da dinastia carolíngia, responsável pela formação do que se convencionou chamar de Império Carolíngio. O reinado de Carlos Magno conseguiu, ainda que momentaneamente, conter o processo de descentralização política que se formava no Reino Franco após a morte de Clóvis.

A efêmera, mas importante centralização política empreendida por Carlos Magno, além das conquistas territoriais que compreendiam grande parte do antigo Império Romano do Ocidente, fez a Igreja sonhar com a possibilidade de reviver esse império. Na noite de Natal do ano 800, o Papa Leão III coroou Carlos Magno como Imperador do Novo Império Romano do Ocidente.

A importância desse rápido estágio de centralização política empreendida por Carlos Magno pode ser avaliada num fato: durante as Cruzadas - século XI ao XIII - os nobres europeus que partiam para combater na Terra Santa eram, sem distinção, denominados de francos.

No reinado de Luís, o Piedoso (814 - 841) , filho de Carlos Magno, o Império Carolíngio teve o seu processo de expansão territoral interrompido, privando-o, assim, das riquezas necessárias (terras por exemplo) para retribuir as prestações de serviços da nobreza sem reduzir o patrimônio familiar. A situação do império ficou ainda mais crítica com a Segunda Onda de Invasões Bárbaras nos séculos IX e X. Os normandos - chamados de Vikings - pelo norte; os muçulmanos pelo oeste e pelo sul e os magiares (húngaros) pelo leste começaram a invadir as terras do império, agravando a crise.

À morte de Luís, o piedoso, seguiu-se uma luta fratricida entre os filhos deste rei que sem um acordo para a sucessão do pai, assinaram, em843, o Tratado de Verdun, dividindo o Império Carolíngio entre si. A parte ocidental ficou para Carlos, o calvo; a parte oriental para Luís, o germânico; a parte central, chamada de Lotaríngia, para Lotário.

A divisão do império após o Tratado de Verdun e as investidas normandas, muçulmanas e húngaras, foram as causas do esfacelamento do Império Carolíngio e reforçaram algumas caracteríticas que marcariam o mundo feudal, como: a diminuição do poder real em relação aos grandes proprietários locais (descentralização política); o declínio do comércio, a ruralização e etc.

* O texto acima teve como referência bibliográfica o livro História das Sociedades. Das Comunidades Primitivas às Sociedades Medievais; paginas: 303 a 312.

Abaixo, alguns mapas históricos sobre a evolução do Reino dos Francos.

Os Reinos Romano-Germânicos na Europa Ocidental por volta do século V. (clique na imagem)

O Império Carolíngio em sua extensão máxima. (clique na imagem para ampliar)

O Império Carolíngio após o Tratado de Verdun. (clique na imagem para ampliar)

domingo, 22 de junho de 2008

Mein Kampf ou Não se deve temer livros!


O post abaixo, trata de uma polêmica que tem dividido acadêmicos e autoridades alemãs. O livro Mein Kampf, escrito por Adolf Hitler quando estava numa prisão entre 1923 e 1924, no qual expõe suas idéias racistas, anti-semitas e expansionistas, idéias postas em prática, quando, em 1933, Hitler se transforma em Führer, deve ou não ter sua publicação liberada.

Como professor de história – e aqui não é uma posição corporativista – acredito que a publicação do livro com observações críticas, defendida por historiadores alemães, ajudará a todos a ter uma idéia não só da mente perturbada de Hitler, como do Zeitgeist da época. Não vejo, portanto, razão para não liberar a publicação.

Os temores de que essa publicação possa ressuscitar as idéias totalitárias e reforçar o apelo e as ações de grupos neonazistas, embora plausíveis, não me parecem suficientemente fortes a ponto de se proibir a liberação da publicação. Como afirma a matéria da Folha, qualquer um que queira pode ter acesso ao livro na Internet. Sebos e antiquários podem ter o livro e vendê-lo, tudo isso sem uma análise crítica, o que faz, para pior, toda a diferença. Além do mais, seguindo os passos do sociólogo inglês, Michael Mann, não há, no mundo de hoje, seja pela nova realidade econômica, seja pelo estágio das sociedades, mas principalmente, pelo conhecimento que se tem dos crimes cometidos pelos regimes fascistas – e também comunistas! – qualquer chance desses regimes voltarem a seduzir as massas e a elite. Nos dias atuais, adverte o sociólogo, governos retrógrados podem adotar algumas medidas que se aproximam desses regimes, mas nada além disso. Considero pouco provável que a publicação de Mein Kampf incentive grupos políticos relevantes ou não, a defender o totalitarismo.

Sei que alguns poderiam contra-argumenta, dizendo: "em 1919 quando o partido nazi foi fundado, os nazistas eram irrelevantes politicamente". Concordo. Mas a explicação para a ascensão dessa ideologia do mal contou com eventos que dificilmente se repetiriam hoje, ou não na mesma magnitude. Deixem eu citar dois: A Grande Depressão provocada pela Crise de 29 e o crescimento eleitoral dos comunistas acabaram dando às idéias totalitárias uma força maior e um apelo eleitoral muito grande, sobretudo na classe média e na burguesia industrial, que temiam uma revolução comunista e sofriam com a recessão econômica; voltando-se, assim, para o partido Nazista que prometia tirar a Alemanha do atoleiro econômico e combater sem trégua os comunistas. Volto a insistir que não vejo, no mundo de hoje, a mesma conjuntura que ajudou na ascensão desses regimes. Não é à toa que Michael Mann conclua ser o fascismo, hoje, apenas uma ideologia que virou insulto.

Termino com as palavras do escritor alemão, e também judeu, Rafael Seligmann que defende a liberação do livro. Ele diz: "Nossa democracia é forte suficiente para não ter uma recaída. Liberar "Mein Kampf" é um sinal de maturidade política."

Mein Kampf, de volta?

Acadêmicos alemães pedem liberação do livro de Hitler

Por Silvia Bittencourt, na Folha:

Mais de 80 anos depois de ter sido escrito, o livro "Mein Kampf" ("Minha Luta"), do ditador nazista Adolf Hitler, volta a ocupar as páginas dos jornais alemães. Historiadores vêm reivindicando a liberação do livro, aqui proibido, com o objetivo de fazer e divulgar uma edição crítica do texto.
O livro, no qual Hitler expõe suas idéias anti-semitas, racistas e expansionistas, está proibido na Alemanha até 2015, quando serão completados 70 anos da morte do ditador (1889-1945). A partir dessa data, sua publicação está liberada.
Historiadores temem que, liberado, o livro caia nas mãos de neonazistas e se torne uma espécie de panfleto para organizações radicais de direita. Uma edição crítica, afirmam, chegaria antes aos leitores alemães.
A Baviera -Estado no sul do país onde Hitler viveu antes de subir ao poder- detém os direitos autorais. Ela proíbe a publicação integral do livro para impedir a propagação de idéias nazistas e a exploração comercial do texto do ditador.
Na opinião de várias autoridades alemãs, liberar "Mein Kampf" também seria um desrespeito aos milhões de vítimas do regime nazista. Mas os historiadores alegam que outros textos de Hitler, como documentos, cartas e discursos, já foram publicados em edições comentadas, sem obstáculos.
Além disso, qualquer internauta consegue achar a versão online de "Mein Kampf" na íntegra. Também não é difícil, aqui, adquirir o livro em antiquários, mesmo que isso aconteça por trás do balcão.
"Este livro está envolto por uma aura, que precisa ser quebrada", afirmou Stephan Kramer, secretário-geral do Conselho Central dos Judeus na Alemanha.
O escritor alemão Rafael Seligmann, que é judeu, também defende a liberação. "Nossa democracia é forte suficiente para não ter uma recaída. Liberar "Mein Kampf" é um sinal de maturidade política."
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Por Reinaldo Azevedo | 05:01

segunda-feira, 16 de junho de 2008

"A ideologia que virou insulto"

Leiam, abaixo, matéria publicada em Veja desta semana.

O fascismo é passado, mas muitos de seus
elementos sobrevivem em governos populistas


Diogo Schelp

O insulto preferido do presidente venezuelano Hugo Chávez contra aqueles que o criticam é "fascista". A expressão já lhe serviu para classificar o ex-primeiro-ministro espanhol José María Aznar, a chanceler alemã Angela Merkel, o presidente americano George W. Bush, os estudantes venezuelanos e até a oposição ao seu colega e títere boliviano Evo Morales. Mais de sessenta anos depois de a ideologia de Adolf Hitler e Benito Mussolini ter sido aniquilada, o fascismo é pouco mais do que um insulto. Foi um fenômeno político específico do período entre as duas guerras mundiais, e não se encontram, hoje, as condições necessárias para o seu ressurgimento. Essa tese é defendida pelo sociólogo inglês Michael Mann, da Universidade da Califórnia, cujo livro Fascistas (editora Record; 560 páginas; 66 reais) foi lançado no mês passado no Brasil. É dele, também, a ressalva: o fundamentalismo islâmico e alguns regimes autoritários da atualidade reúnem uma quantidade perigosa de características fascistas. Mann avalia que entre os que mais acumulam esses elementos está Hugo Chávez – justamente o governante que tanto gosta de chamar os outros de "fascista".

A repulsa ao fascismo – a ponto de a expressão ter se convertido em insulto – decorre sobretudo do conhecimento que se tem dos crimes cometidos pelos regimes que seguiam essa ideologia. O assassinato de 6 milhões de judeus pelos nazistas, por exemplo. Mann acredita que a ascensão ao poder de grupos autoritários na Alemanha, Itália, Áustria, Hungria, Romênia e Espanha após a I Guerra se deve bastante a circunstâncias internas específicas de cada um desses países. A maioria deles tinha passado pela experiência recente de uma guerra devastadora e, em todos eles, existia um movimento político organizado com plataforma autoritária. Esses são alguns dos fatores essenciais para a ascensão fascista, segundo o autor. Outras cinco características são compartilhadas por todas as vertentes do fascismo. Os itens que permitem alinhar os governantes atuais em relação ao fascismo são: o nacionalismo, o estatismo, a pretensão de transcender à luta de classes, o expurgo de parte da sociedade e a criação de grupos paramilitares.

Hitler em parada militar, em 1933: o regime escolheu um grupo social para exterminar

A ambição de transcender ao conceito de luta de classes é fundamental na definição do fascismo, segundo Mann. Hitler e Mussolini viam suas nações como um todo único e indivisível, no qual não havia espaço sequer para separar a população em operários e patrões. "Por esse motivo, apesar de a esquerda identificar o fascismo como sendo de direita, trata-se de uma ideologia que não pode ser classificada em nenhum dos dois espectros políticos", disse a VEJA Michael Mann. O que existe são fatores comuns tanto ao fascismo quanto ao comunismo: ambos resultam em regimes autoritários sustentados pela mobilização das massas.

Mann acredita que não há motivos para temer os grupelhos que, principalmente na Europa, reivindicam o legado nazi-fascista. Os saudosistas pouco preservam da ideologia original. Em geral, eles têm como única plataforma política a xenofobia, sentimento de reduzido apelo popular. Na visão de Mann, os movimentos ou regimes que hoje mais se parecem com o fascismo do passado encaixam-se no que ele chama de etnonacionalismo. São grupos com matizes socialistas e pretensões de "resistência ao imperialismo" que existem, em diferentes estágios, na Rússia, em países da América Latina (Venezuela e Bolívia são os exemplos mais visíveis) e no fundamentalismo islâmico. Sim, a expressão "islamofascista" utilizada por George W. Bush é bastante adequada. O credo representado por Osama bin Laden tem contornos especiais no universo do radicalismo político. Não pode ser considerado verdadeiramente nacionalista, já que despreza a divisão política do mundo muçulmano em estados soberanos. A semelhança com o fascismo está principalmente na valorização de um grupo social por inteiro, sem divisões de classe, que é a comunidade islâmica, em detrimento dos demais.

Integralistas brasileiros prestam juramento, em 1935: inspiração fascista em clima tropical


Bin Laden é a recriação perfeita de uma característica demagógica típica do fascismo, mas também encontrada nos regimes comunistas ou simplesmente populistas: a decisão de que um grupo é o inimigo do povo e da nação verdadeira e de que é preciso se livrar desse inimigo. Uma visão otimista – se é que se pode ser otimista em um mundo em que Chávez e Osama bin Laden encontram tantos partidários – é que hoje a comunidade internacional dificilmente toleraria a repetição de genocídios da magnitude daquele cometido pelos nazistas. No entanto, o dano que esses "quase fascistas" podem causar a seu próprio povo ou aos estrangeiros escolhidos para representar o papel de "inimigos" é enorme.


Clique nas imagens para ampliar.


EXERCÍCIOS

"Mais de sessenta anos depois de a ideologia de Adolf Hitler e Benito Mussolini ter sido aniquilada, o fascismo é pouco mais do que um insulto. Foi um fenômeno político específico do período entre as duas guerras mundiais, e não se encontram, hoje, as condições necessárias para o seu ressurgimento."

01) Quais as condições políticas e econômicas da Itália e da Alemanha, há mais de 60 anos, que explicam o aparecimento da ideologia fascista?

02) Para o sociólogo inglês Michael Mann, quais as razões que explicam à ascensão de regimes autoritários na Alemanha, Itália, Áustria, Hungria, Romênia e Espanha após a I Guerra Mundial?

03) Que outras características, presentes na matéria, são consideradas típicas do fascismo?

04) O que há de comum entre o fascismo e o comunismo, segundo o sociólogo Michael Mann?

05) Quais as razões apresentadas por Mann para não se temer a ação de grupos neo-fascistas na atualidade?

06) Quais as diferenças e as semelhanças entre os grupos fundamentalistas islâmicos e o fascismo, apresentadas por Michael Mann?

07) Que caracteríticas fascistas estão presentes nos governos de Hugo Chavez, Vladmir Putin, Mahmoud Ahmadinejad e nas idéias do terrorista Osama Bin Laden?

08) Por que o termo fascista, hoje em dia, foi reduzido a um insulto?

09) Hoje em dia, ao se acusar alguém de fascista, o que exatamente se quer dizer com isso?

10) Comparando o regime fascista na Itália e na Alemanha, quais as semelhenças e diferenças entre eles?

OBS: Apresentar as respostas, com as perguntas, no dia 24 de junho. Faça o exercício no seu caderno!

Bom exercício!