sábado, 29 de março de 2008

Imperialismo Ateniense - Prolegômenos


A escritora norte-americana Bárbara Tuchman em seu livro clássico A marcha da insensatez, define essa marcha como a adoção de uma política contrária aos próprios interesses. A mesma autora estabelece 3 critérios simultâneos que definem essa marcha para a desgraça e são capazes de caracterizar um governo que adota uma política contrária aos próprios interesses. Os critérios são:

1 – a política insensata precisa ter sido percebida pelos atores da época. Não é justo qualificar de insensatas ações pretéritas, quando temos a nosso favor a visão privilegiada do passado que nos dá toda a compreensão dos efeitos dessa ações. É preciso que na época, quando as ações foram adotadas, a política insensata tenha sido percebida e revelada ou denunciada por aqueles que a presenciaram.

2 – é preciso que houvesse uma saída alternativa para o desafio proposto. Não podemos qualificar de insensata uma política que, diante dos desafios, não tivesse outras opções que não a adotada. A marcha da insensatez só se configura como tal se o governo, mesmo ante alternativas mais viáveis, tiver insistido naquela que traria mais prejuízos que benefícios.

3 – o terceiro critério é que a política da insensatez adotada tenha sido obra não de um indivíduo ou de um governante apenas, mas de um grupo.

Uma vez respeitados esses critérios, diz a historiadora, pode-se caracterizar a marcha da insensatez.
Enxergo, no imperialismo ateniense, essa marcha da insensatez. Com mais tempo - as obrigações profissionais não me permitem tratar disso agora - falarei de como o imperialismo ateniense, política adotada pelo partido democrático de Atenas no século V a C, levou o mundo grego a uma guerra da qual nunca se recuperaria e que foi a gênese da decadência da civilização helênica. 

Como já foi dito no post anterior, a vitória helênica sobre os exércitos de Dario e Xerxes, que impediu a anexação da Grécia Continental ao império persa, foi a chance de ouro para as cidades gregas buscarem, se não uma centralização política, ao menos uma união confederada. Todavia, mesmo diante da certeza de que unidas eram muito mais fortes, as poléis optaram pela política de sempre: o ciúme e a inveja umas das outras. Afastado o perigo persa, ou por outra, a sensação de que não estavam mais em perigo, as mesmas rivalidades históricas voltaram a ser a tônica nas relações entre as cidades-Estados gregas. Imaginando estarem a salvo dos persas, acreditaram que poderiam manter a mesma postura hostil uma para com as outras sem consequências desastrosas.

Nessa marcha da insensatez, não há mocinhos. Atenas e Esparta, pela liderança que desempenharam, claro, tiveram mais responsabilidades. Contudo, todas as cidades-Estados gregas, em maior ou menor grau, contribuíram para os sucessos funestos da civilização helênica durante, mas principalmente, após à Guerra do Peloponeso.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Por que Atenas e não Esparta?

O cenário das Guerras Médicas e das disputas entre Atenas e Esparta.
(clique na imagem para ampliá-la)


O declínio da civilização helênica esteve ligado às guerras fratricidas entre as cidades-Estados gregas após a derrota que estas, unidas, impuseram aos persas em 480-479 a C. Para Toynbee, em sua História do Helenismo, a vitória dos helenos nas Guerras Médicas abriu uma oportunidade ímpar para os gregos buscarem, no mínimo, uma aliança confederada. Ainda segundo esse historiador, o desenvolvimento econômico do século VI a C, imporia, mais cedo ou mais tarde, algum tipo de unificação política às póleis; mas, para isso, a cidade que liderasse esse movimento deveria, com prudência, não descambar para o domínio agressivo de suas cidades irmãs. Foi tudo o que Atenas, no século V a C, não fez.

A Liga ou Confederação de Delos, criada em 478 a C para se precaver contra o um novo ataque persa, nasceu sob um péssimo augúrio: a decisão de Esparta - até então, a líder militar da Hélade - de não tomar parte nela, abrindo espaço para a atuação única de Atenas. Considerada pelos estados helênicos do Egeu e da Ásia Menor como a grande responsável pela derrota dos persas, Atenas tornou-se a grande referência dessas cidades. Sem Esparta, pôde exercer sua liderança sem um rival à altura e, talvez por isso, não tenha resistido ao canto da sereia do imperialismo. 

Se hoje sabemos, que Esparta, com sua decisão de não participar da Liga, ajudou Atenas a construir seu imperialismo, seria ingênuo imaginar que esse perigo foi estranho aos lacedemônios. Ora, cabe a pergunta: por que, então, os espartanos não exerceram, eles mesmos, a liderança da Hélade? Ou por outra: por que, ao menos, não dividiram com Atenas essa liderança? Quem nos oferece uma resposta é Rostovtzeff, em sua História da Grécia

Para o historiador russo, Esparta tinha duas limitações que lhe impediam de exercer a liderança do mundo grego após as Guerras Médicas. A primeira era sua constituição e seus problemas internos. Com efeito, se Esparta estivesse disposta a liderar o mundo grego logo após às Guerras greco-pérsicas, precisaria expandir seu exército e sua influência para além do Peloponeso. Todavia, essa saída era impossível. A força de Esparta, o seu poder, estava na opressão a que submetia os habitantes da Messênia, transformados em hilotas, isto é, em servos dos espartanos. Deslocar sua força para fora do Peloponeso implicaria em desguarnecer a Lacônia e a Messênia, ameaçando seu domínio na península. A opressão de seu exército escravizava os hilotas, mas a postura sempre rebelde destes, condenava os espartanos a uma vida rigidamente controlada por um estado sufocante, que exigia de seus cidadãos uma vida voltada para a guerra e uma obediência cega ao governo. 

Outro grave limite para a liderança de Esparta eram seus parcos recursos. A economia espartana era essencialmente agrícola; uma agricultura basicamente de subsistência. Sua indústria e seu comércio eram tão tímidos que não tinham importância econômica. Para exercer a liderança seria preciso mobilizar recursos que o Estado espartano, por mais que quisesse, não dispunha. Entre o imperialismo sobre as cidades gregas e o autodeterminismo dessas cidades, Esparta optou pelo segundo porque não poderia exercer o primeiro.

Se Esparta, por mais que quisesse, não poderia liderar o mundo grego após as Guerras Médicas; Atenas, ainda que não quisesse, seria impelida pelas circunstâncias a exercer esse papel de liderança. Em verdade, a Liga de Delos foi o resultado de um temor real: uma nova investida persa sobre o mundo grego. Se, para Esparta, a tarefa de combater os persas foi concluída após as batalhas de Salamina, Platéia e Mícale, quando os Medos foram expulsos da Grécia européia e já não representavam uma ameaça ao Peloponeso; para Atenas, mas, principalmente, para as ilhas do mar Egeu e para as cidades da Jônia (Ásia Menor), os persas tinham sido derrotados, mas não definitivamente vencidos. A Liga, portanto, foi uma aliança militar preventiva que, sob a liderança de Atenas, passou a ser cada vez mais agressiva contra os persas, expulsando-os do Egeu e do litoral da Ásia Menor, devolvendo às cidades gregas subjugadas pelos exércitos persas, a liberdade.

Uma vez concluída a expulsão dos persas do mar Egeu e do litoral da Jônia, Atenas se viu diante de um dilema: dissolver a Confederação de Delos e voltar à situação de antes das Guerras Médicas, ou transformar as cidades da Liga de aliadas à subordinadas. A opção escolhida foi a do imperialismo, como sabemos. Contudo, cabe a pergunta: Atenas poderia renunciar ao seu destino de líder da Liga, sem prejuízos para sua economia e sem a ameaça de convulsão social? Tanto Rostovtzeff quanto Toynbee respondem que não.

Na semana que vem, mais um capítulo dessa história.